Procuração Particular e Citação em Ação Real ou Pessoal Reipersecutória

Recebemos um requerimento firmado pelo advogado do interessado, o qual solicita o registro de citação em ações reais e pessoais reipersecutórias. Após análise da documentação apresentada, verificamos que foi juntada, nos autos do processo, uma procuração particular “ad judicia et extra“, por meio da qual o senhor Fulano outorga poderes ao seu advogado, Beltrano.

Diante disso, surgem as seguintes questões:

1º – A referida procuração particular, que foi juntada nos autos do processo, pode ser utilizada como prova de representação válida perante esta serventia?

2º – Caso seja possível a sua utilização, é necessário que a procuração contenha, especificamente, poderes que autorizem a representação do outorgante perante o cartório?

RESPOSTA:

Comecemos pelo registro de citação de ações reais  e pessoais reipersecutórias (Artigo 167, I, 21 da LRP), em relação a documentação necessária para a prática do ato, pelo que nos valemos de nossa resposta anterior de 17-02-2.023:

Consulta anterior:

Recebemos, diretamente da 1ª Vara Cível da Comarca, um Despacho com força de mandado/carta/ofício, determinando o registro das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, nos termos do art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/1973, acompanhado de um ofício determinando o registro da ação de usucapião (ambos seguem em anexo).

Como nunca praticamos nenhum ato como este, solicitamos seu auxílio, indicando como seguir no caso concreto, especialmente se: os documentos apresentados são suficientes para praticar o ato de registro na matrícula? Se não, quais documentos devemos solicitar do Juízo?

Resposta:

  1. No caso não se trata de registro de usucapião o qual a rigor e nos termos do artigo 226 da LRP deve ser feito através de mandado (Art. 226 – Tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial.) acompanhado de memorial descritivo, planta ou croqui e o trânsito em julgado da decisão;
  2. Conforme mandado do juizo trata-se de medida acautelatória e de registro de citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis (artigo 167. I, 21 da LRP). Ademais o processo de usucapião ainda está em andamento até porque o proprietário, os confinantes  e interessados ausentes, incertos e desconhecidos ainda nem foram citados. E no oficio o Juiz do processo solicita ao RI o registro da ação de usucapião e não a usucapião do imóvel;
  3. Quanto ao registro de citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis seria necessário:
  4. Segundo Valmir Pontes: Proposta em juízo ação real, relacionada com coisa imóvel ou direito real sobre imóvel, e desde que não caiba fazer penhora, arresto ou sequestro, a citação do réu poderá ser inscrita no Registro de Imóveis. Ação real é a que tem por objeto a res (coisa) ou algum direito real sobre a coisa (hipoteca, penhor, anticrese, usufruto, enfiteuse etc.);

Se se tratar de ação pessoal, isto é ação que não tenha por objeto coisa ou direito real, mas uma relação puramente obrigacional, derivada de ato ilício ou contrato ou declaração unilateral de vontade, a inscrição só poderá ser feita quando a demanda se referir a bem imóvel, como é o caso, por exemplo da ação anulatória de contrato de compra e venda de imóvel, não cumulada com reinvindicação do imóvel vendido, ou da ação destinada a compelir o réu ao cumprimento do compromisso de compra e venda de imóvel que não possa ser exigido por via de adjudicação compulsória;

Essas ações pessoais são camadas de reipersecutórias. Porque perseguem uma coisa; ou visam a aquisição de um direito real, ou aclaramento de dúvida acerca de uma coisa ou direito real embora originem de relação de direito meramente pessoal ou obrigacional. (Registro de Imóveis – Valmir Pontes – Editora Saraiva – 1.982 – folhas 27/27);

  1. O documento hábil para o registro das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis, é um requerimento assinado pelo credor ou pelo seu procurador constituído com firma reconhecida, instruído com cópia da petição inicial extraída do processo para que se examine se se trata de ação real ou pessoal reipersecutória passível de registro e o valor da causa que vai ser utilizado para o cálculo do emolumentos ou mandado ou certidão da citação do oficial de justiça, certificando a citação. Ambas as peças deverão ser autenticadas pelo escrivão do feito;

A averbação da existência de ação não é possível por falta de previsão legal, no entanto, a CITAÇÃO que se faça em ações reais ou pessoais reipersecutórias pode ser registrada na matrícula;

Para tanto, deve ser remetido ao Registro de Imóveis ou mandado ou certidão da citação, assim como cópia da inicial para que se examine se se trata de ação real ou pessoal reipersecutória, comprovação de que a citação do/s réu/s foi feita e em que data e o valor dado à causa que vai ser utilizado para o cálculo dos emolumentos.

  1. Em se tratando de ação real ou pessoal reipersecutória, o ato a ser praticado será o de registros (167, I, 21 LRP), sendo sim necessário constar o valor da ação que inclusive servirá de base de cálculo para a cobrança dos emolumentos.

No caso (usucapião), trata-se de ação real e seu registro se requerido, poderia ser feito desde que conste a comprovação da citação do réu, e de seu cônjuge se casado for (artigo n. 10, parágrafo único , I do CPC) sua data e o valor dado à causa;

Sub censura.

São Paulo, 22 de Fevereiro de 2.022.

CONTINUAÇÃO DA RESPOSTA ATUAL:

  1. Pois bem em relação a procuração particular  “ad judicia et extra ” (procuração geral para o foro (artigo 105 do CPC) :
  2. A procuração ad judicia et extra é um documento que confere a um advogado poderes para representar o cliente em juízo e fora dele. É um instrumento de mandato que permite ao advogado agir em nome do cliente, por exemplo, propondo medidas legais, assinando documentos e tomando decisões importantes.
  3. A procuração está autenticada pelo próprio tribunal de justiça e provavelmente foi retirado do próprio processo. E se acompanhada dos documentos necessários para o registro poderá ser aceita a procuração particular para tal mister.
  4. A exigência de procuração para a prática do ato de registros seria excesso de zelo, e poderia ser mitigado nesse sentido se assim entendesse a Senhora Oficiala Registradora que goza de independência para a prática de seus atos (artigo 28 da Lei 8.935/94);
  5. Ademais é um ato acessório do processo de ações reais e pessoais reipersecutórias.
  6. E há exceções em diversos casos como abaixo se verá;
  7. Portanto a documentação estando em ordem entendo que nesse caso a procuração ad judicia et extra por instrumento particular poderia sim ser utilizada para a prática do ato.
  8. Ver também artigos 654 e 655 do CC.

Quesitos:

  1. Sim
  2. Não pois é para o foro em geral “et extra

Sub censura.

São Paulo, 24 de Setembro de 2.024.

DO IRIB:

PROCURAÇÃO POR INSTRUMENTO PARTICULAR POSSIBILIDADE EM ALGUNS CASOS.

Data: 07/03/2023
Protocolo: 18739
Assunto: Direito Civil – Procuração
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. João Baptista Galhardo
Verbetação: Alienação fiduciária. Devedor – constituição em mora – averbação. Procuração – substabelecimento – instrumento particular. Título hábil. Rio de Janeiro.

Pergunta:

Foi apresentado nesta Serventia, um protocolo para averbação da constituição em mora do devedor fiduciante. Na documentação apresentada consta tanto uma procuração quanto um substabelecimento particular dos representantes legais para realizarem a averbação pretendida. Pergunta: Neste caso em tela podemos recepcionar a procuração e o substabelecimento particular ou deverão ser apresentados tais documentos de forma pública? Pois em nosso ordenamento temos que analisar a substancialidade de cada ato solicitado, para identificarmos se o instrumento deverá ser público ou particular.

Resposta:

Prezada consulente:

A nosso ver, a prova de representação (procurações e substabelecimentos) outorgados pelo credor na pessoa de seus representantes que subscrevem o título, devem estar vigentes à época da assinatura e ser apresentadas em cópia autenticada ou original, não necessitando de forma pública.

Data: 07/01/2021
Protocolo: 17582
Assunto: Alienação Fiduciária
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. João Baptista Galhardo
Verbetação: Alienação fiduciária. Procuração particular. Documento hábil. Paraná.

Pergunta:

Foi apresentado para registro Instrumento Particular com Alienação Fiduciária, onde o comprador esta sendo representado por instrumento particular de procuração. Desta forma poderá ser aceito instrumento particular de procuração ou deverá ser apresentada procuração na forma pública?

Resposta:

Prezada consulente:

A nosso ver, é possível o pretendido pelas partes, eis que a procuração foi celebrada para aquisição do bem imóvel no âmbito da Lei n. 9.514/97, conforme art. 657 do Código Civil:

“Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.”

Não obstante, recomendamos a observância, ainda, do art. 654, § 1º do Código Civil:

“Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.”

Data: 21/05/2014
Protocolo: 11656
Assunto: [Outros…]
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. Mario Pazutti Mezzari
Verbetação: Regularização fundiária. Procuração. Firma – reconhecimento. Espírito Santo.

Pergunta:

No requerimento ao RGI solicitando registro de lote proveniente de projeto de regularização fundiária urbana pode-se o requerente sendo representado. Pode utilizar procuração particular? (ou precisa ser pública). Sendo particular, precisa da assinatura do cônjuge? É necessário reconhecer firma da assinatura? Mesmo apresentado o instrumento original.

Resposta:

Prezado consulente:

Supondo que você esteja se referindo ao requerimento para conversão da posse em registro de propriedade (art. 60 da Lei nº 11.977/2009), entendemos que poderá ser utilizada procuração formalizada por instrumento particular, com firma reconhecida. Neste caso, entendemos que não há necessidade da assinatura do outro cônjuge.

Data: 13/06/2005
Protocolo: 2217
Assunto:
Autor(es): autor
Revisor(es):
Verbetação: AVERBAÇÃO. CONSTRUÇÃO. CND. INSS. MUTIRÃO. PROCURAÇÃO PARTICULAR.

Pergunta:

1)- A Prefeitura Municipal desta cidade enviou a esse Cartório documentos para averbação de unidades habitacionais do CDHU, mas não foi enviada a CND do INSS, a Prefeitura neste ato representada pelo Prefeito Municipal, fez uma declaração dizendo que as casas foram construídas em regime de mutirão e sem utilização de mão de obra remunerada. Pergunta: Pode ser dispensada a CND do INSS nesse caso? 2º) O requerimento pedindo a averbação das construções foi assinado por procuração particular tendo como outorgante o CDHU e como outorgado um funcionário da Prefeitura, com poderes para tais averbações Pergunta: a procuração particular é válida ou necessita de procuração pública?.-

Resposta:

  1. Mesmo que as unidades habitacionais tenham menos de 70m², entendo que não é possível dispensar a prova de quitação de débitos previdenciários, tendo em vista que não se trata de edificação de uma única casa. Cuida-se, na verdade, de um conjunto residencial que não é para uso própria do CDHU, mas, sim, de terceiros. Além disso, o aludido órgão, apesar de ter função social, não está isento de contribuições previdenciárias. Destarte, o Oficial corre o risco de ser autuado pelo INSS se efetuar a averbação sem a mencionada prova de quitação. Se houver insistência da parte, o registrador deve suscitar dúvida para salvaguardar a sua responsabilidade. 2) No Estado de São Paulo foi vedado o emprego de procurações e substabelecimentos consubstanciados em instrumentos particulares para a lavratura de atos notariais elencados no art. 134, II, do Código Civil de 1916 (atualmente, art. 108 do Novo Código Civil), conforme parecer ofertado no protocolo CG 19.359/89, pelo Juiz Auxiliar da E. Corregedoria Geral da Justiça, Dr. Ricardo Cintra Torres de Carvalho, aprovado pelo Corregedor Geral Des. Onei Raphael Pinheiro Oricchio, que, interpretando a norma legal contida no citado artigo, editou o Provimento 2/91, que passou a integrar as Normas de Serviço da mesma Corregedoria, dispondo o item 2.1, Seção II, do Cap. XIV o seguinte: “É vedado o uso de instrumentos particulares de mandato ou substabelecimentos, para lavratura de atos que exijam a escritura pública”. Assim, se o interesse é a averbação de construção sobre terreno, a qual pode ser solicitada mediante a apresentação de requerimento (não sendo necessário a forma pública), a procuração poderá ser celebrada por instrumento particular.

Data: 11/04/2013
Protocolo: 10310
Assunto: [Outros…]
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. João Baptista Galhardo
Verbetação: Procuração pública – substabelecimento. Instrumento particular. Goiás.

Pergunta:

Posso substabelecer uma procuração pública, por instrumento particular, e após este estabelecimento poderia lavrar uma Escritura Pública com este substabelecimento particular?

Resposta:

Prezada consulente: 

Vejamos, inicialmente, a redação do art. 655 do Código Civil: 

“Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular.” 

Ademais, entendemos que o instrumento particular deverá conter a assinatura do outorgante, nos termos do art. 654 do Código Civil. 

Posto isto, se a lei admite o substabelecimento por instrumento particular, entendemos que nada impede que seja lavrada escritura pública com base neste substabelecimento. 

Data: 30/09/2005

Procuração outorgada em país estrangeiro, sem o notariado latino, pode ser utilizada por tabelião brasileiro para a prática de ato notarial que exija a forma pública?

Marcio Martins Bonilha Filho – MIGALHAS UOL

De forma recorrente os Tabelionatos de Notas são instados a enfrentar pedidos para a lavratura de escrituras públicas, precedidas de uma procuração outorgada em país estrangeiro, que não possui o chamado notariado latino.

terça-feira, 17 de novembro de 2020 migalhas

Diante dos fenômenos da globalização e da internacionalização dos mercados, com repercussões políticas, econômicas e sociais, a desencadear uma crescente integração e intensificação entre países e pessoas, surgem diversos questionamentos na rotina do profissional do Direito, em especial nos Tabelionatos de Notas, que passam a deparar com situações desafiadoras no trato da qualificação notarial exercida.

Nesse cenário, de forma recorrente os Tabelionatos de Notas são instados a enfrentar pedidos para a lavratura de escrituras públicas, precedidas de uma procuração outorgada em país estrangeiro, que não possui o chamado notariado latino.

Emerge, nesse contexto, a dúvida relacionada com a possibilidade, ou não, de o tabelião admitir procuração particular outorgada em país estrangeiro, que não possui notariado latino, ostentando firma reconhecida, apostilada na forma da Convenção de Haia, traduzida para o português por Tradutor Juramentado e registrada em Registro de Títulos e Documentos, para efeito de praticar ato notarial protocolar, que exija a forma pública.

Na sistemática legal vigente, a prática de ato notarial exige a observância de preceitos específicos, no plano da segurança jurídica, evitando-se irregularidades documentais, que poderão repercutir nos negócios jurídicos das partes interessadas, afetando a autenticidade, a validade e a eficácia, por vício estrutural, particularmente, em relação aos atos procedentes do estrangeiro, que serão consumados em solo pátrio.

No que se refere ao tema posto em discussão, o artigo 108, do Código Civil, dispõe:

“Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.

Na espécie vertente, cumpre assentar que a escritura pública é da substância do ato, que será praticado no Brasil.

Por sua vez, no tocante à representação das partes, a regra geral é a apresentação do instrumento público de procuração, tendo em conta que a forma pública é indispensável para a validade do negócio jurídico.

A propósito da questão, convém lembrar que o artigo 657, do Código Civil, assim estipula:

“A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito”.

Aliás, é sabido que, “para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem” (cf. artigo 9º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), cujo parágrafo 1º preceitua:

“Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

Na normatização pertinente, o parágrafo segundo do aludido artigo estabelece que “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”.

Nesse contexto legal, cabe assinalar que se opera o mandato, “quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato” (artigo 653, do Código Civil), deparando-se com a norma do artigo 655, C.C., segundo o qual “ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular”.

A apresentação e a representação, nos atos notariais, sob a égide dos princípios “ad solemnitatem” ou “locus regit actum”, nada obstante o rigor formal que domina a matéria, sofre certo abrandamento, tornando-se menos inflexível, no regime legal das procurações para serem utilizadas no exterior, como se verifica da aplicação das normas da Convenção Interamericana a esse respeito, adotada na cidade do Panamá, em 30 de janeiro de 1975, incorporada ao Direito nacional, em 3 de agosto de 1994.

Nesse quadro normativo, um tabelião brasileiro poderia admitir procuração particular, outorgada em país estrangeiro, com firma reconhecida por notário local, apostilada na forma da Convenção de Haia, traduzida por Tradutor Juramentado e registrada em Registro de Títulos e Documentos, para efeito de prática de ato notarial protocolar que exija a forma pública, por disposição da lei brasileira?

A resposta que se impõe, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto é no sentido afirmativo.

Assim é, considerando a incidência, na espécie, da disciplina normativa da Convenção Interamericana sobre regime legal das procurações para serem utilizadas no exterior, adotada na cidade do Panamá, em 30 de janeiro de 1975, pelos Governos dos Estados Membros da Organização dos Estados Americanos, incorporada ao Direito pátrio, após submetida à apreciação do Congresso Nacional, que a aprovou por meio de decreto legislativo 4, de 7 de fevereiro de 1994, de que resultou o depósito do instrumento de ratificação do ato multilateral mencionado, em 3 de maio de 1994, passando a vigorar no Brasil, em 1º de junho de 1994, por força do Decreto Presidencial (Governo Itamar Franco), datado de 3 de Agosto de 1994.

Os artigos 1 e 2, do anexo ao decreto, que promulgou a referida Convenção, dão suporte jurídico e legal a essa conclusão.

Por seu turno, na ótica doutrinária, cabe destacar a lição dos eminentes Professores André de Carvalho Ramos e Erik Frederico Gramstrup, “in” Comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Ed. Saraiva, 2016, ao tratar do disposto no parágrafo 1º do artigo 9º da aludida Lei, preconizando: “A forma essencial de um ato jurídico consiste no conjunto de solenidades exigidas por lei para que o ato seja considerado válido e eficaz”, prosseguindo no sentido que “o parágrafo 1º do artigo 9º excepciona parcialmente essa regra ao prescrever que a forma essencial prevista na lei brasileira (a lex fori) deve ser observada quando a obrigação constituída alhures tiver que ser executada internamente”, rematando que “dúvida importante diz respeito à validade da formalidade estrangeira equivalente (e não idêntica) a da lei brasileira. Defendeu Hahnemann Guimarães (ex-ministro do STF) que deve ser aceito, no Brasil, como equivalente à escritura pública, um ato lavrado nos Estados Unidos por notário – embora não seja oficial público, mas que pela regra local, tem poder de autenticar documentos“.

A propósito, a respeito da matéria, é elucidativo o v. acórdão do colendo Superior Tribunal de Justiça, em hipótese similar ao tema, pese embora a abrangência doméstica da situação, cuja ementa é a seguinte:

“CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PROCURAÇÃO OUTORGADA POR INSTRUMENTO PARTICULAR. VALIDADE DO NEGÓCIO. Nada impede que, na escritura pública de compra e venda, o vendedor esteja representado por mandatário habilitado ao ato por procuração outorgada em instrumento particular. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial não conhecido”. Votação unânime.

Aliás, esse precedente judicial já figurava na obra Código Civil, sob a responsabilidade de Theotônio Negrão e de José Roberto Ferreira Gouvêa, 25ª Ed., Saraiva, 2006, em anotação ao artigo 108, do Código Civil, 2ª, nesses termos:

“Nos negócios jurídicos para cuja validade a escritura pública é essencial, admite-se a representação das partes por procurador nomeado através de instrumento particular. Nesse sentido: STJ – 3ª T. REsp. 414.100/SP, rel. min. Ari Pargendler, j. 3/4/03, não conheceram, v.u. DJU 9/6/03, pg. 266”.

Essa solução mais se ajusta ao caso em tela, em tempo de pandemia mundial, que impede, há longo tempo, as viagens internacionais, dificultando a ultimação de negócios, especialmente por se tratar de país de origem destituído do notariado latino, não obstante a existência de Embaixada Brasileira, ou Consulado, conforma a localidade, que atende, nesse particular, apenas os brasileiros.

Poder-se-ia alegar, contra essa definição, a decisão judicial da Segunda Vara de Registros Públicos da Capital, nos autos do processo de Pedido de Providências formulado por Aline Formiga Perez Leal (0028396-80.2020.8.26.0100), proferida pelo ilustre Juiz de Direito, Dr. Marcelo Benacchio, mas esse óbice é ininvocável na hipótese, tendo em conta a ausência de discussão e de deliberação da questão, na aludida manifestação judicial, que ora se coloca à luz da citada Convenção Interamericana do Panamá.

O ponto nuclear da controvérsia enfrentado pelo d. e culto Juizo da Segunda Vara de Registros Públicos envolveu a recusa, julgada acertada pela Corregedoria Permanente, por parte de um tabelião de Notas em lavrar escritura pública de divisão amigável, tendo por base apresentação de procuração particular.

A rigor, na referida decisão não houve enfrentamento direto da incidência das normas da Convenção Interamericana, de tudo se inferindo que, no exercício da qualificação notarial, o tabelião poderá abrandar e tornar menos inflexível a necessidade de procuração na forma pública, à luz da incidência da disciplina normativa contemplada na Convenção, para gerar eficácia extraterritorial da procuração outorgada por estrangeiro, em país que não adota o notariado do tipo latino.

Vale dizer, naquele caso, a fundamentação legal foi diversa.

Em suma, não se cuida de afronta à decisão normativa, na esfera correcional, nem cabe cogitar de temor a esse título, à vista do quadro fático e jurídico, e da especificidade da solução alvitrada.

Por conseguinte, sustento o entendimento de que a lavratura do ato notarial descrito é perfeitamente cabível, sem ofensa aos preceitos legais e às normas administrativas em vigor.

*Marcio Martins Bonilha Filho é desembargador aposentado do TJ/SP e advogado no escritório Barcellos Tucunduva Advogados.

Atualizado em: 17/11/2020 08:02

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

 Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.

§ 1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.

§ 2º O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.

  Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular.

LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015.

 Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *