Compra e Venda de Ascendente para Descendentes C/ Preço Muito Menor do Que Aquisição Original

Em 20 de dezembro de 2022, Fulano adquiriu o apartamento nº 15 pelo valor de R$. 945.250,00 com condição/cláusula resolutiva, pago em dez (10) parcelas mensais).

Pagou tudo e no Registro de Imóveis providenciou as baixas necessárias apresentando  a certidão da Matrícula.

Hoje ele quer vender o mesmo apartamento aos seus dois únicos filhos, através de escritura pública de compra e venda com cláusula resolutiva, pelo valor de R$. 500.000,00 a ser pago através de setenta (70) parcelas mensais.

A minha única dúvida é com relação ao preço da aquisição e ao preço pelo qual está vendendo hoje para seus filhos. Não existe empecilho para lavratura da escritura face aos valores apresentados?

Resposta:

  1. Cancelada a condição/clausula resolutiva pela compra e venda realizada por Fulano, o imóvel esta liberado, sem ônus ou gravames.

E este poderá alienar aos seus filhos impondo nova condição resolutiva nessa compra e venda. É outro, novo negócio entre pai e filhos que independeria da anuência de eventuais outros filhos. Caso haja outros filhos seria de bom tom que estes dessem a suas anuências, inclusive dos seus respectivos cônjuges, à exceção se forem casados pelo regime da separação total/absoluta de bens

Entretanto a discrepância de valores aquisição por R$ 945.250,00 pelo pai e a venda aos seus filhos estaria sujeito a fraude, simulação por ser preço inferior (quase a metade do valor da aquisição). Além de inferior ao valor real do bem. E em assim sendo poderia ser ato anulável.

De toda forma, é imperioso que apresentasse também o valor venal do imóvel.

Seria, difícil que um imóvel adquirido em 2.022 tivesse o seu valor reduzido, a não ser por circunstâncias climáticas, desastres, ou outras obra no local que desvalorizasse o imóvel. Assim como também é difícil saber se os outorgados compradores seriam de fato os únicos filhos de Fulano. Também há toda a questão do fisco, imposto de renda, já que a DOI foi informada à Receita Federal quando da aquisição por Fulano.

2.           A questão do consentimento dos demais descendentes na v/c de ascendentes para descendentes é uma questão extra registraria (ver artigo 496 do Código Civil de 2002).

3.           Em que pese entendimentos no sentido de que se deve buscar segurança jurídica e legalidade, entendo que, por tratar-se de direito pessoal e ser caso de anulabilidade, não deve o Tabelionato indagar sobre a ausência de consentimento dos demais filhos.

4.           As anulabilidades não podem ser pronunciadas de ofício, mas apenas pelos interessados (artigo n. 177 do CC) e ao  Tabelião e ao Registrador não caberá desqualificar o título por esse motivo.

5.           Sendo anulável, necessita, incondicionalmente, de comprovação da simulação do negócio.

6.           Inexistindo prejuízo aos demais herdeiros, sendo o preço do negócio justo e real, fraude não haverá, e validado o ato estará, a mera compra e venda de pais  para a filhos e noras, se for o caso não importa em anulabilidade.

7.           Nossos pretórios, nos termos da decisão do STJ e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, corroboram o entendimento exposto:

8.           “Inobstante, farta discussão doutrinária e jurisprudencial, adota-se a corrente que entende cuidar-se de ato anulável, de sorte que o seu desfazimento depende de prova de que a venda se fez por preço inferior ao valor real dos bens, para fins de caracterização da simulação, circunstância sequer aventada no caso dos autos, pelo que é de se ter como lícita a avença.” (STJ REsps74.135 – 4ª Turma – Rel, Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 11.12.2001  – Ver também artigo 496 do CC e APCSP 8.625-0/0.

9. Formalmente não haveria impedimento para a pratica do ato notarial, pois o Tabelião manifesta a vontade das partes (artigo 215, IV do CC).

É o parecer, sub censura.

São Paulo, 20 de maio de 2025.

LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

Do IRIB:

Data: 23/07/2020

Protocolo: 17357

Assunto: Direito Civil – Compra e Venda

Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari

Revisor(es): Dr. João Baptista Galhardo

Verbetação: Venda de ascendente a descendente. Demais filhos – anuência. Ato anulável. Mato Grosso.

Pergunta:

Foi apresentado Instrumento Particular de Compra e Venda de Imóvel com Pacto Adjeto de Alienação Fiduciária e outras avenças. Apuramos que o imóvel é de propriedade de A e B (casados pelo regime da comunhão universal). A adquirente do imóvel é a nora, casada com o filho de A e B, pelo regime da comunhão parcial de bens. Há necessidade de comparecimento ou anuência dos demais filhos de A e B?

Resposta:

Prezada consulente:

A nosso ver, enquanto vivos, os proprietários podem dispor livremente de seu patrimônio, conforme preceitua o art. 1.228, caput do Código Civil.

Neste caso, como é a nora, casada pelo regime da comunhão parcial de bens, que está adquirindo dos sogros o imóvel, evidente que haverá comunicação deste com o marido/filho, considerando que, na consulta não diz que ela está adquirindo com recursos próprios.

Posto isto, o art. 496, caput do Código Civil, dispõe que:

‘Art. 496 – É anulável a venda de ascendentes a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.”

Portanto, entendemos que, nenhum impedimento vai ter o Registrador para recepcionar o título em que se vê os vendedores como ascendente do comprador (em virtude do regime de bens, conforme explicado acima), e com notícias de ter ele outros descendentes, sem necessidade de se exigir para a prática do ato de sua competência a manifestação desses outros descendentes, podendo, desta forma, proceder ao devido registro sem qualquer preocupação com exigências na direção aqui reportada.

Sobre a questão, temos importantes ensinamentos de Maria do Carmo de Rezende Campos Couto, em obra intitulada ‘Coleção Cadernos IRIB – vol. 1 – Compra e Venda’, p. 27. Vejamos:

‘6.1 Venda de ascendente a descendente

Os ascendentes podem vender bens aos descendentes, desde que haja consentimento dos demais descendentes. Deve haver, também, a anuência do cônjuge do alienante, exceto se o casamento for pelo regime de separação obrigatória de bens. A falta de consentimento torna o ato anulável, conforme art. 496 do CC, cabendo aos interessados arguir a nulidade. Tratando-se de anulabilidade, não compete ao registrador de imóveis verificar se houve ou não o comparecimento dos descendentes na escritura, podendo tal escritura ser lavrada e registrada normalmentE. O vício tem de ser alegado no prazo de dois anos após o interessado tomar conhecimento do contrato, e, tratando-se de imóvel, esse prazo começa a correr na data do registro da escritura pública na matrícula do imóvel. Mas a escritura, tendo ou não a anuência dos demais descendentes, poderá ser registrada.’

Sendo assim, pouco importa para o registro a circunstância mencionada na pergunta, pois, eventuais prejudicados poderão reclamar no futuro. Ademais, a venda de ascendente para descendente é ato anulável e não nulo.

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