Procuração em Causa Própria

Nós recebemos uma Escritura Pública de Compra e Venda,, e gostaríamos do seu parecer diante da situação a seguir narrada.

Transmitente: Fulano, representado por Beltrano, por meio de Procuração Pública;

Adquirente: Beltrano. 

A procuração utilizada na escritura havia sido apresentada e mediante análise percebemos que no instrumento procuratório constava o poder para contratar consigo mesmo. Entretanto, nada foi mencionado acerca do valor pactuado pela venda do imóvel, indo de encontro com a previsão do art. 489 do Código Civil, o qual prevê ser nulo o contrato de compra e venda, quando deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.

Diante de tal previsão, elaboramos nota devolutiva dando a opção de ser apresentada outra procuração pública, lavrada anteriormente à escritura, que constasse os elementos necessários para a celebração de contratação consigo mesmo, quais sejam: o poder especial e o valor previamente acordado pela transmissão do imóvel, objeto da compra e venda.

No entanto, inexistindo procuração, com data anterior à lavratura do título público, que fosse lavrada e apresentada uma nova procuração, nos termos do art. 662 do Código Civil, contendo, de formal integral, as informações necessárias.

Ocorre que, na tentativa de cumprimento da referida exigência, foi lavrada uma Escritura Pública de Distrato da referida compra e venda, e posteriormente lavrada uma nova Escritura Pública de Compra e Venda, ambas em anexo, de modo que nesta foi alterada a representação do transmitente.

Transmitente: Fulano, representado por Sicrana, por meio de Substabelecimento Público;

Adquirente: Beltrano. 

Analisando a nova escritura, percebe-se que foi realizado um substabelecimento daquela mesma procuração que havia sido utilizada na escritura de compra e venda anterior ao distrato, tornando como representante do vendedor, a Sra. Sicrana.

Ainda que tenha sido realizado um substabelecimento que veio a alterar o representante do vendedor, de modo que não fosse a mesma pessoa do adquirente, percebe-se que ainda sim deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.

Todavia, o art. 117, do Código Civil prevê:

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.

Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos.

Considerando que tem-se como celebrado a pessoa substabelecida, é possível o prosseguimento do título como apresentado, ou deveremos reiterar a exigência anteriormente formulada, conforme aduz o art. 489 do CC?

Resposta:

  1. A escritura de compra e venda  de 27-04-2.021 foi pelas partes rescindida por distrato de 26-10-2.023;
  2. A procuração  de 12-06-2.020 e o substabelecimento de 25-07-2.023, não foram revogados;
  3. E em 26-10-2023 foi lavrada uma nova escritura de compra e venda  na qual o outorgante vendedor  Fulano  é representado por sua procuradora Sicrana (por substabelecimento). E apesar de nessa escritura de 26-10-2.023 mencionar poderes específicos (expressos e especiais) nos termos do artigo 661, § 1º do CC, na procuração nem no seu substabelecimento não havia essa menção;
  4. Quanto a procuração apesar de ser substabelecida pelo mandatário para Sicrana, de certa forma não deixa de ser um negócio consigo mesmo;
  5. Entretanto a contratação consigo mesmo é possível:

O Código Civil de 1.916 proibia expressamente em seu artigo 1.133, II, que o mandatário adquirisse bens de cuja alienação estivessem encarregados;

Já o Código Civil de 2.002, não repetiu a proibição, (artigo 497 CC/02) e a doutrina tem entendido que conforme artigo 117, o contrato consigo é permitido. (VER BOLETIM DO IRIB EM REVISTA DE Nº 314 – JANEIRO/FEVEREIRO DE 2.004

‘A AQUISIÇÃO DE BENS PELO MANDATÁRIO – EDUARDO PACHECO RIBEIRO DE SOUSA – PÁGINAS 119/120)’;

No entanto, exige-se que do instrumento de mandado que os poderes outorgados incluam o de o mandatário contratar consigo mesmo, isto é, o de poder adquirir para si o imóvel de que está encarregado de vender, não constou da procuração apresentada;

De toda sorte a escritura deve ser qualificada negativamente, por não constar da procuração o preço da alienação (Ver artigo 489 do CC/2002);

Alertamos também que a procuração deve conter poderes expressos e especiais nos termos do parágrafo 1º do artigo 661 do CC (compreendendo este último a especificidade dos poderes outorgados), contendo a menção do imóvel e seu valor para alienação (ver Acórdão do CSMSP n. 524-6/3).

Sub censura.

São Paulo, 22 de Novembro de 2.023.

Código Civil 2.002.

Das Obrigações do Mandatário

  Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.

§1º Se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento.

§2º Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele.

§3º Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato.

§4º Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador será responsável se o substabelecido proceder culposamente.

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