Retificação de Incorporação Imobiliária Já Registrada – Anuência dos Interessados
Acerca da interpretação do disposto no inciso IV do art. 43 da Lei nº 4.591/1964:
Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:
IV – é vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal;
Em especial, gostaria de saber qual o entendimento que deve ser aplicado à expressão “autorização unânime dos interessados“, notadamente se o termo interessado alcançaria qualquer pessoa com título não registrado ou apenas pessoas com títulos registrados.
A título de exemplo, em determinada incorporação imobiliária, podem existir títulos já celebrados, referente a alienação de unidades autônomas, mas ainda não registrados. Por outro lado, poderiam existir títulos já registrados, também.
Porém, em um caso no qual existam títulos já celebrados, mas ainda não registrados, para averbar uma alteração do projeto da incorporação imobiliária, seria necessário exigir a anuência dos adquirentes constantes dos títulos já celebrados mas ainda não registrados? Ou somente devemos nos preocupar com os títulos efetivamente registrados?
Nesse respeito, em um e-mail anterior (19/05/2025), constaram informações que permitiriam interpretar que a autorização unânime, necessária para alterar o projeto da incorporação imobiliária, deveria ser apenas daqueles que “possuem direitos reais registrados (aí incluídos adquirentes e/ou credores)”, conforme segue:
1. Caso a incorporação seja registrada em duas etapas conforme projeto aprovado pelas autoridades municipal e estadual, a retificação para uma só etapa primeiro deve ter a anuência de todos os possuidores de direitos reais registrado (credores hipotecários e adquirentes das unidade autônomas (artigo 43, IV da Lei 4.591/64) da mesma forma ao contrário registro de uma só etapa e retificação para duas. A retificação da incorporação também ensejaria a retificação das áreas de uso comum, e as frações ideais do terreno;
Ademais, constou, anexado ao email acima mencionado, a seguinte resposta do IRIB, que também permitira concluir que os interessados que devem anuir com a alteração do projeto seriam apenas os que tenham direitos reais registrados:
Data: 19/09/2024
Protocolo: 19547
Assunto: Incorporação Imobiliária
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. João Baptista Galhardo
Verbetação: Incorporação imobiliária – cancelamento parcial. Procedimento registral. Paraná.
Dispositivo Legal:
Pergunta:
Estou com um caso de uma incorporação registrada, de 04 casas, duas delas já foram instituídas, porém o incorporador desistiu da construção das outras duas, como devo proceder para fazer este cancelamento parcial da incorporação?
Resposta:
Prezada consulente:
A nosso ver, será necessária prévia alteração/retificação do projeto de incorporação imobiliária aprovada pela Municipalidade. Ademais, é imprescindível a anuência de todos os possuidores de direitos reais registrados na matrícula do imóvel objeto da incorporação.
Por oportuno, transcrevemos pequeno trecho da obra “Direito Registral Imobiliário”, de autoria do Dr. Ademar Fioranelli, publicado pelo IRIB/safE. Porto Alegre, 2001, p. 584:
“Não existindo prazo de carência fixado pelo Incorporador, por ocasião do registro da Incorporação, esta, por conseguinte, aperfeiçoa-se logo que registrada. Nessa fase, o projeto de construção pode ser alterado, acrescendo ou diminuindo o número de unidades, excluindo ou aumentando as áreas comuns. Nesta hipótese, o ato de retificação é de mera averbação, sem implicar o cancelamento da primitiva Incorporação e novo registro.
(…)
O Oficial deverá observar o que determina o art. 43, inc. IV, da mencionada Lei 4.591/64, exigindo, sempre, anuência prévia de todos aqueles que possuem direitos reais registrados e decorrentes do mesmo empreendimento.”
Ademais sobre o assunto, vejamos os ensinamentos de Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari, contidos na obra “Tratado Notarial e Registral – Vol. 5 – Tomo II – Ofício de Registro de Imóveis”, 1ª ed., YK Editora, São Paulo, 2020, p. 2484-2485:
“Em tese, a modificação do projeto inicial pode envolver o acréscimo ou aumento de unidade autônoma, modificações nas áreas comuns, alterações de destinação do empreendimento, construção de novo pavimento, unificação ou desdobro de unidades etc.
O ato modificativo do projeto de incorporação original enseja a retificação da incorporação imobiliária aprovada pela Municipalidade. Se já registrada a incorporação imobiliária, a referida retificação deve ser averbada na matrícula do imóvel, mediante requerimento assinado pelo incorporador, com firma reconhecida (art. 221, inc. II, da Lei n. 6.015/1973). Ao requerimento deverá ser juntado o memorial do projeto modificativo devidamente aprovado pelo Município, bem como o quadro de áreas atualizado, com as assinaturas correspondentes.
(…)
A anuência ora referida não se restringe aos adquirentes de frações ideais correspondentes às unidades autônomas, mas também a todos os titulares de direitos reais atrelados ao empreendimento imobiliário, como os compromissários compradores, usufrutuários, superficiários e todos aqueles cujo direito subjetivo pode ser afetado, direta ou indiretamente, pela alteração.” (Grifos nossos).
Nesse respeito, nossas dúvidas são as seguintes:
1. Para fins de retificação de uma incorporação imobiliária já registrada, mediante alteração parcial do projeto inicial, a autorização unânime exigida pelo inciso IV do art. 43 da Lei nº 4.591/1964 deve ser apenas daqueles que tenham direitos reais já registrados nas matrículas do empreendimento (mãe ou filhas) ou deve ser, também, daqueles que figurem como adquirentes, em títulos ainda não registrados?
2. Caso o cartório tenha conhecimento de títulos já celebrados, mas ainda não registrados (pois tiveram notas devolutivas ainda não cumpridas, em protocolos já encerrados), pode dispensar a anuência dos adquirentes constantes de tais títulos ainda não registrados, sob o fundamento de que a anuência exigida pelo inciso IV do art. 43 da Lei nº 4.591/1964 deve ser apenas daqueles que tenham direitos reais já registrados?
3. Mesmo não existindo nenhum direito real registrado na matrícula-mãe ou nas filhas, se fosse o caso de a autorização ser também daqueles que figurem como adquirentes, em títulos ainda não registrados, não tendo, o cartório, conhecimento de nenhum título já formalizado (mas ainda não registrado), deveríamos exigir declaração do incorporador de que NÃO existe nenhum título formalizado e que, consequentemente, não existiriam interessados a anuir com a retificação?
Resposta:
Para que seja feita a averbação do patrimônio de afetação é necessário existir incorporação, ou seja, a afetação não prescinde a incorporação, tanto que ela é feita a critério do incorporador (Ver artigos 31-A a 31-F da Lei 4.591/64 especialmente o artigo 31-B c/c 31-E).
O patrimônio de afetação nasce com a averbação na matrícula do imóvel e poderá ser requerida no memorial de incorporação ou em momento posterior, mas até a conclusão da obra (habite-se), ou seja, até a averbação da construção;
Considera-se constituído o patrimônio de afetação a partir da averbação do termo de constituição/ opção, firmado pelo incorporador e, se for o caso, pelos demais titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno, no Oficio de Registro de Imóveis competente , a qualquer tempo, desde a data do registro do memorial da incorporação até a data de averbação da conclusão da obra;
Geralmente a submissão da incorporação ao regime de afetação é feita quando de seu registro no registro de imóveis. A lei faculta a averbação a qualquer tempo antes de concluída a obra (averbada a construção;
Pois uma vez afetado o patrimônio, é requerido que ele tenha contabilidade própria, com conta bancária independente das demais da empresa;
Cabendo a incorporadora emitir relatórios trimestrais de acompanhamento da obra, receitas despesas, contratos firmados, prazos, previsões financeiras, e encaminhá-los a Comissão de Representantes nomeada pelos compradores;
O recurso de uma determinada obra só poderá ser aplicado naquela obra.
Por regime de afetação entende-se, pois, o regime de incorporação mediante o qual o objeto do empreendimento fica afetado, segregado do patrimônio geral da empresa;
A afetação consiste na adoção de um patrimônio próprio para cada empreendimento, evitando que os recursos sejam desviados. O Patrimônio de afetação, por não comunicar com os demais bens, obrigações e direitos do incorporador, protege o negócio contra eventuais tropeços deste em outros negócios;
Com a lei, todas as dívidas, de natureza trabalhista, tributária e junto às instituições financeiras ficam restritas ao empreendimento em construção, sem qualquer relação com outros compromissos e dívidas assumidos pela empresa;
A afetação deverá ser da totalidade da incorporação, portanto não será possível averbar a afetação apenas e tão somente das frações ideais em nome da incorporadora e proprietária do empreendimento deixando de fora aquelas já alienadas e registradas;
Assim, para a averbação solicitada, será necessária a anuência de todos os adquirentes das frações ideais de terreno, vinculadas a futuras unidades autônomas, com a anuência dos respectivos cônjuges, se casados forem, bem como a anuência da credora se houver.
Não impedirá a averbação a existência de ônus reais constituídos para garantir o pagamento do preço de sua aquisição do imóvel objeto da incorporação, ou para garantir o cumprimento da obrigação de construir o empreendimento.
(Ver BE Irib 2.119 de 31/10/05, 2.740 de 21/11/2006 (letra “d”), artigos 31-B e 31-D da Lei 4.591/64, a IN RFB n. 934 de 27.04.2.009);
Para a averbação da constituição do Patrimônio de Afetação no SRI, a serventia não deverá exigir nenhum outro documento além do requerimento e o TERMO DE CONSTITUIÇÃO/OPÇÃO, que deverá vir firmado pelo incorporador e também pelos titulares de direitos reais de aquisição (com firmas reconhecidas), no caso de já ter sido alienado alguma unidade e arquivado junto aos documentos referentes à incorporação (artigo 31-B da Lei 4.591/64).
A mesma poderá ser requerida no lapso de tempo entre a entrega da documentação para o registro da incorporação, até a averbação do habite-se do respectivo empreendimento.
A averbação da constituição do patrimônio de afetação deverá ser feita na matrícula onde registrada a incorporação de maneira simples e concisa. (A requerimento de ……. datado de ….. procede-se esta averbação para ficar constando que conforme “TERMO DE CONSTITUIÇÃO DE PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO” datado de ……, a incorporação constante da matrícula (R/….), foi submetida ao regime de AFETAÇÃO, ficando o terreno e as acessões objeto da incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, mantidos apartados do patrimônio do incorporador e constituídos patrimônio de afetação destinados a consecução da incorporação nos termos doa artigo 31-A e seguintes da Lei n. 4.591/64).
Quesitos:
- Deve ser apenas daqueles que tenham direitos reais já registrados nas matriculas do empreendimento (mãe ou filhotes).
- Sim, pode ser dispensada a anuência mesmo caso o registro de imóveis tenha conhecimento de títulos já celebrados, mas ainda não registrados (pois tiveram notas devolutivas ainda não cumpridas, em protocolos já encerrados), ou não apresentados para registro pode ser dispensada a anuência sob o fundamento de que a anuência exigida pelo inciso IV do art. 43 da Lei nº 4.591/1964 deve ser apenas daqueles que tenham direitos reais já registrados. Ademais “Quod non Estin tabula, no est in mundo” (O que não esta registrado não esta no mundo) e os que não foram apresentados a registros não há condições de saber de quantos são, ou quais são.
- Entendo que exigir tal declaração causaria mais confusão, pois não importa se tem títulos formalizados ou não, o que importa é se há títulos registrados, aí sim esses adquirentes deveriam anuir.
É o que entendemos cabível censura.
São Paulo, 12 de Agosto de 2.025.
LEI Nº 4.591, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1964.
Art. 31-B. Considera-se constituído o patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)
Parágrafo único. A averbação não será obstada pela existência de ônus reais que tenham sido constituídos sobre o imóvel objeto da incorporação para garantia do pagamento do preço de sua aquisição ou do cumprimento de obrigação de construir o empreendimento. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)