Fusão, Incorporação e Cisão de Associações s/ Fins Lucrativos

Estamos com um pedido de incorporação de uma associação civil sem fins lucrativos, denominada Instituto ABC, pela associação civil sem fins lucrativos denominada Associação XYZ (dois protocolos de 01/02/2023). Estamos pensando em devolver, tendo em vista que o instituto da incorporação só se destinam às pessoas jurídicas de direito privado constituídas sob a forma de sociedade.

Está correto?

Qual o seu entendimento à respeito da fusão, cisão e incorporação de associações sem fins lucrativos?

Resposta:

  1. Conforme artigo 44 do Código Civil, as associações são pessoas jurídica de direito privado (inciso I do artigo 44), assim como as demais mencionadas nesse artigo nos incisos II a V;
  2. A incorporação de uma associação por outra trata-se de uma sucessão universal de uma pela outra com a extinção da primeira, e onde há sucessão de direitos e obrigações. É considerada uma técnica de reorganização societária (associativa);
  3. Com base nos artigos 44, 1.116, 1.117, 1.118 e 2.033 (especialmente) do Código Civil, o ato é perfeitamente possível desde que aprovado por ambas e em assembleias distintas, que apresentem justificação e avaliação do patrimônio liquido da associação que tenha de ser incorporada;
  4. O requerimento da incorporação deve ser solicitado pela associação incorporadora e apresentar o recolhimento do ITBI devido ou guia de isenção e/ou imunidade expedida pela municipalidade;
  5. Ver decisões da 1ª VRP da comarca da Capital do Estado de nº 1135873-14.2021.8.26.0100 e processos da ECGJSP de nºs: 2014/134378 e 2012/6477.

Sub censura.

São Paulo, 14 De Fevereiro de 2.023.

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

  Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I – as associações;

II – as sociedades;

III – as fundações.

IV – as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)

V – os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)

Da Transformação, da Incorporação, da Fusão e da Cisão das Sociedades

  Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.

  Art. 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo.

§ 1 A sociedade que houver de ser incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo.

§ 2 A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorporada.

  Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio.

  Art. 2.033. Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44 , bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código.

DJE DE 19-01-2022 – CISÃO  INSTITUTO (ASSOCIAÇÃO) PARA OUTRA ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA (ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA)  DESNECESSIDADE DE INSTRUMENTO PÚBLICO – ATO DE AVERBAÇÃO PEDIDO DE PROVIDÊNCIA E NÃO DÚVIDA

O Oficial alega que há necessidade da lavratura de escritura pública, uma vez que, no regime dos registros públicos, impera o princípio da legalidade estrita, não se podendo aplicar, por analogia, o artigo 2.364 da Lei das Sociedades Anônimas nem o artigo 64 da Lei n.8.934/94, os quais excepcionam a regra do artigo 108 do Código Civil, a qual deve prevalecer.


Processo 1135873-14.2021.8.26.0100 1ª VRP – CAPITAL

Dúvida – Registro de Imóveis – Instituto Irmãs Missionarias de Nossa Senhora Consoladora – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para autorizar a averbação dos títulos, os quais informam que, após cisão da proprietária tabular, os imóveis das matrículas n.40.746, n.118.241 e n.119.468 daquela serventia foram incorporados ao patrimônio da Associação Padre José Allamano. Providencie a serventia a necessária regularização do cadastro do feito (pedido de providências), inclusive para trâmite perante o subfluxo da Corregedoria Permanente, acionando o Distribuidor, se necessário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: LUCAS FURTADO DE VASCONCELOS MAIA (OAB 35229/DF)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 3º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS ATOS DE AVERBAÇÃO)

Suscitado: Instituto Irmãs Missionarias de Nossa Senhora Consoladora

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital a requerimento do Instituto Irmãs Missionárias de Nossa Senhora Consoladora, tendo em vista negativa em se autorizar registro de instrumento particular de alteração de contrato social da parte suscitada, com cisão parcial e incorporação dos imóveis das matrículas n.40.746, n.118.241 e n.119.468 daquela serventia para a Associação Padre José Allamano (atas de assembleia geral registradas no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, nas quais se resolveu pela cisão parcial da primeira entidade, com incorporação do patrimônio cindido pela segunda, incluindo referidos imóveis).

O Oficial alega que há necessidade da lavratura de escritura pública, uma vez que, no regime dos registros públicos, impera o princípio da legalidade estrita, não se podendo aplicar, por analogia, o artigo 2.364 da Lei das Sociedades Anônimas nem o artigo 64 da Lei n.8.934/94, os quais excepcionam a regra do artigo 108 do Código Civil, a qual deve prevalecer.

A parte suscitada apresentou impugnação às fls.99/105, defendendo o registro do título apresentado, pois a cisão e a incorporação não configuram ato de alienação típica de bens, mas modalidade de reorganização regida pelos institutos das sociedades empresárias (artigo 2.033 do Código Civil), a qual dispensa a lavratura de escritura, notadamente por se tratar de associação civil sem finalidade de lucro e porque não haverá prejuízo à necessária publicidade.

O Ministério Público opinou pelo afastamento do óbice (fls.108/109).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Primeiramente, é importante ressaltar que este caso não envolve efetiva transmissão de propriedade (registro), mas sucessão subjetiva por cisão e incorporação, o que implica averbação, nos moldes do item 9, b.16, Cap.XX, das NSCGJ.

O procedimento de dúvida registral, portanto, é inadequado, devendo o feito prosseguir como pedido de providências.

No mérito, o pedido é improcedente. Vejamos os motivos.

Como consta na ata da AGE realizada no dia 27 de março de 2021, com cópia às fls.12/13, houve deliberação e aprovação da cisão parcial da entidade suscitada, visando segregar suas atividades sociais, as quais são objeto de políticas públicas disciplinadas por normas específicas.

Assim, resolveu-se pela extinção das filiais envolvidas no desenvolvimento dessas atividades (CNPJ n.60.790.631/0003-45 e n.60.790.631/0011-55), com transferência do respectivo patrimônio para a Associação Pe. José Allamano, entidade congênere que as sucedeu em todos os direitos e obrigações, inclusive em relação aos imóveis objeto das matrículas n.40.746, n.118.241 e n.119.468 do 3ºRI da Capital, que integravam o ativo imobilizado da parcela cindida (fl.23).

Conforme ata da AGE da Associação Padre José Allamano realizada naquele mesmo dia, a incorporação foi deliberada e aprovada nos mesmos termos (fls.29/30).

Observe-se que as organizações religiosas são pessoas jurídicas de direito privado que, por sua natureza, não têm finalidade econômica e gozam de autonomia quanto à sua criação, organização, estruturação interna e funcionamento, nos termos do artigo 44, §1º, do Código Civil.

A incorporação de uma entidade religiosa por outra tem expresso respaldo no Código Civil (artigo 2.033), sendo que essa operação de reestruturação deve se orientar, no que couber, pelas regras dos artigos 1.116 a 1.118 do referido diploma legal, que tratam da incorporação das sociedades em geral.

Nesse sentido, o Parecer n.26/2013-E, aprovado pela E. CGJSP no processo de autos n.6.477/2012, com a seguinte ementa (destaque nosso):

“REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – Incorporação de uma organização religiosa por outra – Possibilidade em tese (artigo 2.033 do CC) – Válido aperfeiçoamento dependente da observação, no que couber, das regras previstas nos artigos 1.116/1.118 do CC – O controle da legalidade não compromete a liberdade religiosa nem a de organização e a de funcionamento das organizações religiosas (Enunciado 143 do III Jornada de Direito Civil) – Ausente documento comprovando a concordância da incorporadora (artigo 1.116 do CC) – Averbação da extinção requerida impropriamente pela incorporada (artigo 1.118 do CC) – Recurso desprovido”.

Outrossim, a cisão e a correspondente incorporação devem ser consideradas hipóteses de sucessão, com transferência de patrimônios líquidos por mutação subjetiva das entidades envolvidas, de modo que a propriedade imobiliária só é afetada por via oblíqua.

Em consideração à natureza dos institutos, além da circunstância de se dispensar, nessas operações, o recolhimento do imposto de transmissão (artigo 156, §2º, I, da CF), a CGJSP entendeu desnecessária escritura pública no caso de cisão de sociedades por cotas no julgamento do processo de autos n.1.779/95, ocorrido em setembro de 1995, pelo qual restou superada a exigência do artigo 134, II, do CC/1916 então vigente (correspondente ao artigo 108 do Código Civil atual):

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação – Cisão de sociedade por cotas – móvel – Exigência de escritura pública – Desnecessidade – Averbação determinada – Recurso provido”.

Mesma linha de raciocínio havia sido adotada anteriormente, em dezembro de 1993, no julgamento do processo de autos n.254/93:

“AVERBAÇÃO – Incorporação – Inexistência de escritura pública para o ato – Extensão supletiva do disposto no art.234 da Lei 6.404/76 – Aplicação às sociedades de responsabilidade limitada das disposições da Lei de Sociedades Anônimas – Recurso provido“.

Mais recentemente, no julgamento do processo de autos n.134.378/2014, ocorrido em dezembro de 2014, a E. CGJSP aplicou referido entendimento para dispensar a escritura pública na hipótese de incorporação entre organizações religiosas, conforme apontado pelo Ministério Público:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Incorporação entre organizações religiosas, com reversão do patrimônio imóvel à incorporadora – Possibilidade de averbação à margem das matrículas, ante a comprovada incorporação – Desnecessidade de escritura pública para a transferência do domínio dos imóveis – Exigência, aliás, impossível de ser cumprida, diante da extinção das incorporadas – Recurso provido”.

O óbice, portanto, não se sustenta.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para autorizar a averbação dos títulos, os quais informam que, após cisão da proprietária tabular, os imóveis das matrículas n.40.746, n.118.241 e n.119.468 daquela serventia foram incorporados ao patrimônio da Associação Padre José Allamano. Providencie a serventia a necessária regularização do cadastro do feito (pedido de providências), inclusive para trâmite perante o subfluxo da Corregedoria Permanente, acionando o Distribuidor, se necessário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo com as cautelas de praxe.

P.R.I.C.

São Paulo, 14 de janeiro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito (Acervo INR – DJe de 19.01.2022 – SP)

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