Usucapião Judicial – Indisponibilidade, ART e Planta

Trata-se de uma usucapião judicial na qual foram apresentados 1) Petição inicial, 2) memorial descritivo do imóvel, 3) sentença e 4) certidão de trânsito em julgado, extraídos dos autos do processo.

Não foi apresentado a ART do responsável técnico pela elaboração do memorial descritivo e na descrição constante na sentença não consta referido documento como sendo apresentado ao processo.

Foi mencionado na sentença, também, que constou nos autos a planta do imóvel, entretanto não nos fora apresentada.

Na matrícula, consta a área do imóvel como sendo “10.565,588m²”, entretanto, no memorial descritivo dispõe uma área de “10.701,08m²”, sendo esta área do memorial homologada em sentença.

Esta área do memorial descritivo que foi homologada, em algumas passagens dos documentos judiciais apresentado, fora mencionado como sendo “área do terreno/imóvel”, entretanto, em outras passagens fora descrita como “área edificada”.

Ademais, na matrícula do imóvel, consta averbada uma indisponibilidade, tendo como exequente a fazenda municipal.

Nesses termos:

(a) Iremos solicitar ao juízo a apresentação da planta do imóvel, em sendo descrita uma área de terreno de “10.701,08m²”, ou seja, maior que a área disposta na matrícula, deveríamos pedir esclarecimentos ao juízo?

(b) quando as menções equivocadas de “área do terreno/imóvel” e “área edificada”, referente a metragem de “10.701,08m²”, poderíamos considerar como área do terreno/imóvel, conforme memorial descritivo ou pediríamos esclarecimentos ao juízo?

(c) visto que não fora mencionado, em sentença, a apresentação da ART, dando a entender que não fora apresentada no processo, deveríamos pedir mesmo assim? Devendo ser pedido, teria que ser certificado pelo chefe de secretaria?

(d) quanto a indisponibilidade constante na matrícula, impediria o registro? Deveria vir alguma ordem do juízo mandando/autorizando o cancelamento?

Resposta:

USUCAPIÃO JUDICIAL

  1. Na matricula em análise, consta á área do imóvel (terreno) como sendo 10.565,588 m2  e na inicial, memorial, sentença e mandado consta a área (terreno) com 10.701,08 m2. O que é perfeitamente, porque se trata de usucapião que é forma originária de aquisição, podendo ter uma área menor ou maior;
  2. Quanto a localização  do imóvel na matricula consta que o imóvel faz frente para a Avenida ABC sem constar numeração, e nos demais documentos (Inicial, memorial, sentença e mandado) consta que o imóvel usucapiendo faz frente para outra avenida, e que em caso de alteração da denominação poderá ser averbado com certidão expedida pela municipalidade, ou por tratar-se a usucapião como forma originaria de aquisição ser descerrada  matricula com frente para essa Avenida ABC, a não ser que haja descompasso das denominações dessas avenidas (em locais ou bairro diferentes);
  3. Quanto a edificação/construção para fins comerciais de fato é mencionada na inicial (pág. 3, 4, 7 (empresa) 8,9 e 10, na sentença no mandado, no memorial não. Sendo que no mandado constou “compreendendo uma edificação de 10.701,08 m2, quando essa área é a do terreno. A edificação construção vem mencionada na inicial pág. 10, item 6 – Planta do Imóvel com área edificada 0,0976 (104,4 m2) e pátio de atividades 0,9352 (100,7 m2), mas isso não importa pois da sentença (parte final) constou: “Eventual regularização das edificações existentes no imóvel deverá ser efetuada administrativamente junto a municipalidade, com posterior averbação junto ao oficial de Registro de Imóveis conforme exigências legais (apresentação de requerimento, habite-se (como é no usucapião extrajudicial provimento 65/17 do CNJ – artigo 20, § 3º) e CND da obra
  4. Quanto a ART, houve menção no item 5 – Memorial Descritivo ART e outras informações. Portando poderia ser solicitado, ou mitigado se assim entender a Senhora Oficial Registradora (artigo 28 da Lei 8.935/94;
  5. Quanto a planta mencionada na inicial e sentença esta sim deve ser solicitada para melhor conferência e fins de arquivo no Registro de Imóveis, e via de regra ela está no processo;
  6. Quanto a indisponibilidade AV.01 da matrícula, esta não impede a usucapião que é forma originária de aquisição, entretanto aquisição propriamente dita não há, o que há é a declaração de domínio. Ver abaixo.

A indisponibilidade não é motivo para impedir o registro da usucapião especialmente a judicial que é forma originária de aquisição, e ademais pela usucapião não há alienação do imóvel, mas a declaração do domínio, tanto que não sujeito a ITBI.

A usucapião, desde as fontes constitui não somente modo de aquisição, mas também modo de saneamento da propriedade imperfeita (Lenine Nequete, Da Prescrição Aquisitiva, 2ª. Edição Sulina, pág. 14; Nelson Luiz Pinto, Ação de Usucapião, Editora RT, pág. 49 – Processo CGJSP n. 1.549/96).

Como é sabida, a aquisição usucapional legitima-se pela posse prolongada e qualificada – ad usucapionem = e que vem a ser chancelada judicialmente, superando direitos que estejam retratados ou garantidos perante o Registro Público.

Através da usucapião judicial especialmente, o adquirente recebe o imóvel livre de ônus. Com o registro, opera-se automaticamente a extinção dos direitos reais constituídos pelo antigo proprietário e nenhum outro direito anterior subsiste com a aquisição por usucapião, os ônus, sejam eles quais forem, desaparecem ipso facto.

Portanto, averba-se na matricula que o imóvel foi objeto de usucapião conforme processo tal, a favor de Fulano de Tal, para o qual foi aberta a matrícula sob o número tal, encerrando-se a matrícula do imóvel. Em seguida, descerra-se outra matrícula com a descrição constante do memorial que deverá acompanhar o mandado registrando-se a usucapião.

Não há o prevalecimento dos gravames contra o usucapiente que terá a propriedade originária do imóvel de forma livre e desembaraçada de quaisquer gravames (STJ – REsp  716.753 RS (2.005/0002065-0 e REsp 941.464-SC 24/04/2012).

Nenhuma transmissão anterior, bem como nenhum outro direito anterior, subsiste com a aquisição (declaração de domínio) por usucapião, eventuais ônus, sejam eles quais forem, desaparecem ipso facto.

Abre-se a matrícula para o imóvel usucapiendo sem nada mencionar quanto aos ônus anteriores que não subsistem e nem necessitam serem cancelados, somente se faz referência ao registro anterior (ver RDI 33 – A sentença de Usucapião e o Registro de Imóveis – Dr. Benedito Silvério Ribeiro).

Após o registro poderá sim ser comunicado o Juízo que decretou a indisponibilidade de que o imóvel foi objeto de usucapião a favor de José Roberto e s/mr.

Quesitos:

  1. Somente solicita a apresentação da planta sem solicitar esclarecimentos ao Juízo;
  2. Sim, considera-se a área constante do memorial, sentença, inicial,  e mandado independente de esclarecimentos;
  3. Sim, solicita, alternativamente pode ser mitigado pela Senhora oficial Registradora conforme constou acima (item 4);
  4. Não já esta posto acima (item 6) e abaixo;

Sub censura.

São Paulo, 03 de Abril de 2.023.

INDISPONIBILIDADE USUCAPIÃO POSSIBILIDADE 230223

A USUCAPIÃO é uma excelente forma de regularização imobiliária. Através dela pode ser possível obter o RGI (registro de imóveis) em nome daquele que exerce a posse sobre o bem. Como sempre falamos aqui, Usucapião é instituto que “surge” com o preenchimento dos requisitos legais: basta que o pretendente reúna os requisitos legais para que a prescrição aquisitiva aconteça. O grande ponto da questão – que infelizmente muitos ainda não atentaram – é que para que efetivamente a regularização por essa via aconteça se faz necessário que o reconhecimento desse direito seja promovido pela via JUDICIAL ou pela via EXTRAJUDICIAL – sendo essa última um importante caminho que mesmo exigindo a presença de ADVOGADO dispensa o PROCESSO JUDICIAL, nos termos do art. 216-A da Lei de Registros Públicos.

USUCAPIÃO é instituto que possui base constitucional (arts. 183 e 191 c/c inc. XXIII do art. 5º e III do art. 170) e é instrumento que, pautado na função social da propriedade, permitirá que aquele que exerça POSSE qualificada sobre imóvel hábil e suscetível à aquisição prescricional pelo TEMPO exigido por lei – juntamente com eventuais outros requisitos exigidos por Lei, de acordo com a modalidade e peculiaridades do caso concreto – possa ver reconhecido o seu DIREITO e com isso promova o registro daquele imóvel em seu nome junto ao Cartório do Registro Imobiliário correspondente – quando então a certidão imobiliária passará a lhe apontar como NOVO PROPRIETÁRIO em evidente prejuízo do proprietário anterior.

Durante o complexo procedimento da Usucapião – seja ele na via judicial, seja ele pela via extrajudicial – muitos entraves podem sobrevir aos interessados, dentre eles os gravames que vierem a constar da matrícula imobiliária; um desses gravames pode ser a INDISPONIBILIDADE que proíbe a disposição do bem. A respeito das indisponibilidades ensinam com maestria os ilustres professores KÜMPEL e FERRARI (Tratado Notarial e Registral. 2020):

“A indisponibilidade de bens é uma determinação legal ou judicial que pode recair sobre um imóvel ou outros direitos de determinada pessoa, coibindo atos de disposição. Tal constrição é impeditiva da alienação ou oneração do imóvel ou de outros direitos, ficando reservado como garantia do cumprimento de uma obrigação ou pagamento de uma dívida. A ordem é justamente para IMPEDIR que o devedor desfaça do seu patrimônio em prejuízo direto aos seus credores. (…) As ordens judiciais e administrativas que determinem indisponibilidades de bens imóveis são AVERBADAS nas matrículas respectivas. (…) Trata-se de uma forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso do título ao fólio real, ainda que o referido título seja ANTERIOR à decretação da indisponibilidade. Aplica-se, assim, o princípio do TEMPUS REGIT ACTUM”.

Usucapião – não custa repetir – não se trata de aquisição DERIVADA como acontece numa compra e venda (aqui não se compra ou recebe por doação de ninguém a propriedade do imóvel) mas sim aquisição ORIGINÁRIA (que independe da conduta transmissiva do proprietário anterior). Na verdade, na Usucapião enquanto para um NASCE o direito ao imóvel, para o outro FALECE. Ouso dizer – sem embargos de tudo que já se disse – que não fosse a conduta do proprietário registral em permitir que o pretendente semeasse naquele terreno fático e fértil o exercício da posse qualificada sobre o imóvel e colhesse nele, depois de desabrochados escancaradamente os requisitos da Usucapião – a procedência de seus pedidos – de nada adiantaria já que se de fato o proprietário registral confere função social, protege e exerce a posse, outrem não deveria poder fazê-lo (sendo certo inclusive que a Lei elenca os remédios jurídicos para a proteção tanto da propriedade quanto da posse – é bom que se saiba).

O fato da indisponibilidade que eventualmente grave a matrícula imobiliária não pode mesmo impedir a aquisição por Usucapião se preenchidos os REQUISITOS LEGAIS – nem mesmo pela via EXTRAJUDICIAL – como informa o art. 14 do Provimento CNJ 65/2017 – não podendo nem mesmo o referido gravame impedir o processamento do pedido extrajudicial como muito bem já reconhecido, por exemplo, pelo Juízo da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital/SP (Processo nº. 1094332-06.2018.8.26.0100. J. em 27/03/2019).

Uma enxurrada de precedentes judiciais pátrios reconhecem com igual acerto a possibilidade do reconhecimento da Usucapião – tanto na Usucapião Extraordinária quanto na Usucapião Ordinária – mesmo contendo na matrícula o gravame da indisponibilidade e é o recente acórdão do TJDFT, um dos mais didáticos, que merece ser prestigiado para ilustrar tal possibilidade:

“TJDFT. 07098505520208070005. J. em: 20/04/2022. CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DEMONSTRADOS. BOA-FÉ E JUSTO TÍTULO. DESNECESSÁRIA COMPROVAÇÃO. INDISPONIBILIDADE DO BEM EM VIRTUDE DE DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO PELA USUCAPIÃO. (…). 2. A existência de ordem de indisponibilidade sobre o bem, ainda que o submeta a regime de proteção criado com o intuito de proteger o patrimônio público, não interdita, até porque inexiste previsão legal ou constitucional a esse respeito, como ocorre por exemplo com a vedação à aquisição por usucapião de imóveis públicos, prevista no art. 183, § 3º, da CR, o reconhecimento da aquisição originária da coisa pela usucapião. A INDISPONIBILIDADE acautela o interesse da sociedade, impedindo que o réu de ação de improbidade administrativa dilapide o seu patrimônio, assegurando que, no momento de futura execução, tenha bens suficiente para pagar eventual condenação à obrigação de ressarcir prejuízos do erário ou de restituir valores ilicitamente acrescidos ao seu patrimônio. Protege o direito do ente público perseguido na ação de improbidade administrativa, mas não impede que pessoa que busca MORADIA exerça posse sobre o bem acaso este seja ABANDONADO pelo proprietário. 3. É impróprio falar em posse precária por causa da existência de uma ORDEM DE INDISPONIBILIDADE sobre o bem, pois é clássica a noção de que a posse precária” resulta do abuso de confiança do possuidor que indevidamente retém a coisa além do prazo avençado para o término da relação jurídica de direito real ou obrigacional que originou a posse “(Farias, Cristiano Chaves de; Braga Netto, Felipe; Rosenvald Nelson. Manual de Direito Civil, Volume único. 3ª edição. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. Pág. 1.385) e esta não é a situação dos autos. 4. É inegável que a posse foi exercida com o ÂNIMO DE SE TORNAR DONO, se os autores, há mais de treze (13) anos, pagaram quantia monetária ao antigo possuidor, para adquirir os direitos sobre o bem e nele residem até os dias atuais. Ainda que soubessem da existência da indisponibilidade, não seria possível negar o estado anímico dos autores, seu comportamento perante a coisa como se proprietários fossem, com base na mera afirmação de que a indisponibilidade do bem afasta o animus domini. 5. A usucapião especial urbana constitui DIREITO DE CARÁTER SOCIAL, previsto na Carta da Republica, que tem por objetivo assegurar o cumprimento da FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE e permitir aos não proprietários de imóvel urbano ou rural que deram a destinação devida à coisa a aquisição do título de PROPRIEDADE e a certeza quanto à realização do direito inalienável de ter uma moradia. Assim, descabe invocar o interesse social na preservação da indisponibilidade do bem para viabilizar o futuro ressarcimento ao erário, negando proteção a direito também de estatura constitucional, notadamente se é notório que, durante o período da indisponibilidade, o patrimônio da pessoa jurídica sujeito à construção se valorizou ao ponto de assegurar o pagamento integral de eventual condenação de ressarcimento ao erário e ainda garantir-lhe lucro. 6. Apelo não provido“.

Fonte: Jornal Jurid

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