FORMAL DE PARTILHA – QUOTAS SOCIAIS – EMPRESA CANCELADA E INAPTA

Trata-se de um formal de partilha, no qual o herdeiro recebeu, através de testamento, todos os bens, móveis e imóveis, deixados pelo falecimento do cujus, Fulano.

Nos foi apresentada a matrícula de um lote para registro do formal, entretanto, após a análise, verificou-se que o imóvel está em nome da pessoa jurídica “FULANO & CIA LTDA”, que possui como sócios Fulano (autor da herança) e sua esposa Beltrana (falecida antes de Fulano e da qual não temos notícia do inventário).

Todavia, as quotas sociais da referida empresa (“FULANO & CIA LTDA”), que é a verdadeira titular dos imóveis, não foram partilhadas de forma expressa nos autos do processo de inventário de Fulano, tendo sido partilhados, equivocadamente, os imóveis pertencentes à tal empresa, como se do falecido fossem (Fulano).

Quanto a empresa, FULANO & CIA LTDA, na certidão simplificada da Junta Comercial, consta a situação de “CANCELADA – ART. 60 DA LEI 8.934/94”.

Já o Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral emitido no site da Receita Federal, consta a situação como “INAPTA”.

Nesse contexto:

1. Devemos exigir que o Formal de Partilha seja alterado/aditado, para fazer constar a partilha das quotas sociais da empresa, ao invés da partilha dos imóveis, tendo em vista que o imóveis partilhados pertencem, em verdade, em empresa?

2. As situações da empresa, na Junta Comercial (CANCELADA) e na Receita Federal (INAPTA), podem ser revertidas pelo herdeiro testamentário? Tem algum dispositivo legal que permita ao herdeiro testamentário reverter tais situações, a fim de possibilitar a futura transferência dos imóveis da empresa para ele (herdeiro testamentário)?

3. Diante das situações da empresa na Junta Comercial (CANCELADA) e na Receita Federal (INAPTA), como deve, o herdeiro testamentário, proceder, a fim de registrar, na Junta Comercial, o Formal de Partilha aditado, referente às quotas sociais?

4. Como pode o herdeiro testamentário transferir, posteriormente, os imóveis para o seu nome, perante a Junta Comercial e perante o cartório? Qual seria o instrumento apto a esse fim?

Resposta:

  1. O (s) bem (ens) imóvel (eis) se encontram em nome da empresa que figura como proprietária portanto o inventário (s) e partilha (s) devem ser das quotas sociais e não do imóvel (eis).
  2. O artigo 60 e seus §§ da Lei 8.934/94 foi revogado pela MP 1.040/21 e pela Lei 14.195/21.
  3. Apesar de baixada pode estar em processo de dissolução liquidação e extinção.
  4. O (s) imóvel (eis) está (ão) registrado (s) em nome da empresa e poderiam estar cumprindo um compromisso anterior (entre outros), inclusive em relação a morte da sócia Beltrana e do sócio Fulano, posteriormente, nos termos do artigo 1.028 do CC e desta forma, a rigor não estaria extinta até que cumprisse as suas obrigações. Desta forma entendo, s.m.j., que é possível  e regularização da empresa em que pese a baixa da Pessoa Jurídica.
  5. A entidade cuja inscrição no CNPJ estiver na situação cadastral baixada, poderá ter sua inscrição restabelecida”.
  6. Na linguagem contábil ou fiscal, a empresa foi baixada, o que não quer dizer que foi extinta. Se ainda possui bem imóvel em seu nome, é porque está em extinção ou em liquidação, e deve fazer a apuração dos seus ativos e passivos e o inventário de seus bens.
  7. Poderá até estar cumprindo algum compromisso ou obrigação anterior inclusive outros que virão.
  8. Assim, é perfeitamente possível que a empresa em extinção ou em liquidação representada pelos seus sócios ou liquidantes, transmita o imóvel a terceiros (que não é o caso que se apresenta)
  9. Na transmissão da declaração da “DOI” são aceitos os CNPJ válidos, ainda que a situação cadastral da empresa seja ativa regular, ativa não regular, suspensa, inapta ou cancelada.
  10. Pois bem, como Beltrana faleceu primeiro nos termos do artigo 1.028 do CC deve primeiro ser regularizada a situação da empresa em face de seu falecimento transmitindo as quotas sociais ao viúvo Fulano (dependendo do regime do casamento destes) e a eventuais herdeiros se for o caso., realizando o inventário e partilha pelo falecimento dela (Beltrana) Para então depois regularizar a situação da empresa em face do falecimento de Fulano pelo artigo 1.028 citado e pelo seu inventário e partilha;
  11. O fato é que não sabemos se Beltrana possuía herdeiros, se Fulano, seria meeiro em face do regime de casamento, se eventuais herdeiros de Beltrana receberiam sozinhos ou junto com Fulano por meação ou como também herdeiro de bens particulares. E mais como ficaria o inventário de Fulano depois de inventário e partilha dos bens pelo falecimento de Beltrana, se Fulano poderia  transmitir por testamento todos os seu bens ou somente parte desse bens dele. De qualquer forma o seu inventário precisaria ser retificado a depender da situação do inventário dela (Beltrana), que pelo principio da continuidade, disponibilidade e legalidade precisaria ser realizado por primeiro, e registrado para depois aditar/retificar o inventário de Fulano, que, eventualmente poderia herdar sozinho as quotas sociais de Beltrana, e depois de registrar a partilha na qual ele recebe sozinho registraria o inventário e partilha dos seus bens deixado pelo seu falecimento. Mas de qualquer forma seu inventário não poderia ser registrado sem que antes retificasse para partilhas as quotas sociais e não o bem imóvel.
  12. Eventualmente pelo falecimento de Fulano poderia haver alvará judicial autorizando a transferência de suas quotas sociais regularizando-se a situação da empresa pela dissolução (artigo 1.028, II, ou por acordo com os herdeiros , regular a substituição do sócio falecido (artigo 1.028, III) e com a verificação do estatuto social (artigo 1.028, I – Se o contrato dispuser diferentemente)  podendo inclusive ser transformada em sociedade unipessoal  (artigo 1.052, § 2º).
  13. Sem saber a situação total e real não dá para opinar. Qual é o regime de casamento, ela ou ele tinham outros herdeiros, poderia ele por testamento deixar como herança, legar a totalidade de seu patrimônio? Como ficaria a situação depois de realizado o inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Beltrana que também era sócia da empresa e após o seu registro e regularizada a pessoa jurídica em face de seu falecimento? Também e preciso considerar que não possibilidade de alterar o testamento juma vez que Fulano faleceu.
  14. Só veremos por pedaços e não o quadro inteiro. Portanto será necessário ver o quadro inteiro toda a situação para ser dar o caminho que até mesmo poderá ser somente pelas vias jurisdicionais.

Sub censura.

São Paulo, 11 de Julho de 2.023.

LEI Nº 8.934, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1994.

Art. 60. A firma individual ou a sociedade que não proceder a qualquer arquivamento no período de dez anos consecutivos deverá comunicar à junta comercial que deseja manter-se em funcionamento.          (Revogado dada pela Medida Provisória nº 1.040, de 2021)    (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021)

§ 1º Na ausência dessa comunicação, a empresa mercantil será considerada inativa, promovendo a junta comercial o cancelamento do registro, com a perda automática da proteção ao nome empresarial.          (Revogado dada pela Medida Provisória nº 1.040, de 2021)    (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021)

§ 2º A empresa mercantil deverá ser notificada previamente pela junta comercial, mediante comunicação direta ou por edital, para os fins deste artigo.          (Revogado dada pela Medida Provisória nº 1.040, de 2021)    (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021)

§ 3º A junta comercial fará comunicação do cancelamento às autoridades arrecadadoras, no prazo de até dez dias.          (Revogado dada pela Medida Provisória nº 1.040, de 2021)    (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021)

§ 4º A reativação da empresa obedecerá aos mesmos procedimentos requeridos para sua constituição.          (Revogado dada pela Medida Provisória nº 1.040, de 2021)    (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021)

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

Da Resolução da Sociedade em Relação a um Sócio

  Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I – se o contrato dispuser diferentemente;

II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

DO IRIB

EMPRESA BAIXADA EXTINTA.

Data: 28/05/2020
Protocolo: 17264
Assunto: Direito Civil – Sociedade
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. João Baptista Galhardo
Verbetação: Dação em pagamento. Empresa extinta – representação – sócio administrador. Goiás.

Pergunta:

Ainda a respeito da pergunta protocolada sob o nº 17239, e após algumas consultas acerca de outros questionamentos similares neste Instituto, informamos que o momento da lavratura da escritura de dação em pagamento, foi dado quando a empresa titular dos bens imóveis, já se encontrava extinta (após sua incorporação por outra empresa), ocasião em que já tinha deixado de exercer seus atos jurídicos e contábeis, onde acreditamos s.m.j., que ela não poderia figurar como transmitente, pois já não existia mais. Diante disso, é preciso evidenciar que os imóveis que a empresa baixada possuía, foram retirados de seu ativo antes da incorporação total por outra empresa, através de deliberação dos sócios que autorizou a dação em pagamento destes imóveis aos próprios sócios, motivo pelo qual não foram incorporados a empresa sucessora. Assim, como a empresa extinta não havia formalizado um escrito público para transferir os imóveis à época que ainda estava ativa, o fez agora, quando já se encontrava baixada. Nesta lógica, quem deveria representar a empresa baixada na transmissão de seus bens, por aquela escritura pública de dação em pagamento? 1) A empresa incorporadora, sucessora da incorporada em seus direitos e obrigações (art. 227 da Lei n. 6.404/76 e 1.116 do CC), averbando-se previamente apenas a noticia de sua sucessão nos termos do Art. 234 da Lei nº 6.404/76, e depois habilitando a escritura ao registro; 2) ou deve-se nomear um liquidante para empresa baixada, por aditivo a incorporação e 3) ou pode esta escritura ser aceita da forma em que se indagou no primeiro questionamento, por algum dos sócios que detinham poderes.

Resposta:

Prezado consulente:

Se houve a nomeação de sócio para realizar os atos referentes à dação em pagamento representando a empresa extinta, entendemos que este será o responsável pelo cumprimento da obrigação, podendo ser realizado o registro da dação em pagamento como mencionado na primeira resposta (prot. 17239).

Contudo, é importante esclarecermos que as respostas dadas no âmbito do serviço do IRIB Responde, devem ser consideradas exclusivamente como elemento de apoio e coadjuvação da atividade registral. A aceitação da resposta técnica e a prática ou denegação do ato a ser praticado é sempre matéria de exclusiva responsabilidade pessoal do Oficial delegado, pautada pelo seu convencimento acerca do tema.

Data: 06/05/2020
Protocolo: 17239
Assunto: Dação em Pagamento
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. João Baptista Galhardo
Verbetação: Incorporação societária. Dação em pagamento – sócio administrador nomeado – legitimidade. Goiás.

Pergunta:

Uma empresa baixada contabilmente por motivo de incorporação pretende dar em pagamento a seus sócios, alguns imóveis que não foram incorporados a empresa sucessora. Diante disso, nos foi apresentada Escritura Pública de Dação em Pagamento, em que a empresa baixada estava sendo representada por um sócio administrador, que havia sido investido nos poderes para assinar quaisquer atos necessários para realizar a dação em pagamento, nos termos de uma deliberação dos sócios da empresa baixada, em ata de reunião realizada antes da incorporação, devidamente registrada na Junta Comercial competente. Desta forma, indagamos se é possível a empresa baixada figurar como transmitente nesta escritura. Caso, positivo, quem deveria representar a empresa baixada na transmissão dos bens, a empresa sucessora de seus direitos e obrigações (art. 227 da Lei n. 6.404/76 e 1.116 do CC), ou se deve nomear um liquidante por aditivo a incorporação (Art. 1.102 do CC), ou pode algum dos sócios que detinham poderes para a disposição dos bens?

Resposta:

Prezada consulente:

A nosso ver, é possível que o sócio administrador nomeado para realizar os atos referentes à dação em pagamento represente a empresa extinta. Isso porque, a empresa foi extinta em virtude da incorporação por outra e os imóveis objetos da dação em pagamento não foram incorporados ao patrimônio da empresa incorporadora. Portanto, se não houver nenhum outro motivo que impeça o registro, entendemos que este poderá ser realizado.

Data: 02/08/2011
Protocolo: 7994
Assunto: Compra e Venda
Autor(es): Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari
Revisor(es): Dr. Luiz Américo Alves Aldana
Verbetação: Compra e venda. Sociedade empresária encerrada – CND – CNPJ baixado. São Paulo.

Pergunta:

Uma firma é proprietária de vários imóveis. A firma foi distratada pelos sócios (baixada). Mesmo baixada (liquidada), a firma, através do liquidante nomeado no contrato, outorgou escritura de venda de alguns dos imóveis. Da CND da Receita Federal, ainda em vigor, consta que o CNPJ foi baixado. A escritura pode ser registrada?

Resposta:

Prezado associado: 

A nosso ver, o fato não impede o registro da compra e venda, desde que a empresa tenha sido extinta obedecendo-se os parâmetros legais. 

Contudo, atente para que, em relação às CNDs, o ideal é que elas sejam apresentadas diretamente na Junta Comercial, para o encerramento da pessoa jurídica. A certidão emitida pela Junta, onde se afirma que tais certidões foram apresentadas juntamente com o distrato dispensa a apresentação destas no Registro de Imóveis. Note que não pode haver suposição: a certidão deve mencionar a apresentação destas, bem como a inexistência de dívidas para que você possa dispensá-las. 

Artigo: O falecimento do sócio de sociedade limitada e as opções para sucessão – Por Wagner José Penereiro Armani

Abre-se a possibilidade de os sócios terem mais opções de regras de sucessão empresarial, permitindo que a sociedade continue com os sócios remanescentes

 A morte é uma preocupação inerente a todas as pessoas e, consequente, àqueles que empreendem.

 Evidentemente que esta preocupação permeia o Direito, pois com a morte há a abertura da sucessão e a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

 Para o Direito Societário, em especial na sociedade do tipo limitada, é necessário verificar a destinação das quotas do sócio falecido.

 Pela legislação, no caso de falecimento de sócio, há possibilidade de (i) as quotas serem liquidadas e o valor apurado pago aos herdeiros ou (ii) os herdeiros ingressarem na sociedade e, assim, ser evitada a dissolução parcial.

  A regra é que as quotas sejam liquidadas, sendo que para hipótese de ingressos dos herdeiros, é necessária previsão no contrato social (art. 1.028, CC).

 A dissolução parcial é a solução jurídica que busca compatibilizar os interesses conflitantes dos sucessores de sócio morto que não desejam ingressar na sociedade ou de sócio sobrevivente, em sociedade “de pessoa”, que veta o ingresso deles. Mas inexistindo o conflito de interesses, a sociedade deve permanecer, com a cota do de cujus transferida a quem o suceder. O falecimento de sócio é causa de dissolução judicial, se não houver concordância entre as partes quanto à ocorrência de causa dissolutiva (por exemplo, os sócios supérstites recusarem-se a proceder à apuração dos haveres), ou extrajudicial, quando houver essa concordância entre as partes1.

 Cumpre ressaltar que, mesmo com previsão contratual, os herdeiros do sócio falecido não estão obrigados a ingressar na sociedade em cumprimento ao princípio constitucional da livre associação (art. 5º, XX, CF). Diferentemente dos sócios sobreviventes que, por conta da previsão contratual expressa, não podem se opor ao ingresso dos herdeiros.

 Contudo, caso não ocorra o ingresso dos herdeiros, seja por ausência de previsão contratual nesse sentido ou por falta de vontade dos herdeiros, as quotas do sócio falecido serão liquidadas com o pagamento dos haveres aos herdeiros, cuja data de apuração será a do óbito (art. 605, I, CPC).

 Uma opção muito discutida, era sobre a possibilidade de alienação automática de quotas de uma sociedade quando do falecimento de um dos sócios.

 Isso porque, em regra, para arquivamento do contrato social após a morte de sócio, a Junta Comercial exige a apresentação de alvará judicial permitindo a alienação das quotas do falecido, ou a escritura de inventário extrajudicial ou do inventário e partilha, com o intuito de resguardar o patrimônio dos herdeiros, amparando a exigência na Instrução Normativa 81/20 do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI).

 Como dito acima, o art. 1.028 do Código Civil prevê a liquidação de quota de sócio falecido, mas traz como exceção, a hipótese de o contrato social dispor de forma diferente. Neste mesmo sentido é a IN 81/20 do DREI, que no item 4.5 das possibilidades dos sócios quanto às quotas do sócio falecido, mas traz a ressalva de inaplicabilidade destas possibilidades no caso de previsão contrária no contrato social.

 Diante desta alternativa, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) foi instado a se manifestar em sede recursal (14022.116144/2022-57) de um caso que envolvia a negativa da Junta Comercial em proceder com o registro da alteração do contrato social de sociedade, que destinava as quotas do sócio falecido à sócia remanescente.

 O entendimento do órgão julgador concluiu que o art. 1.028 do Código Civil permite aos sócios dispor sobre regras específicas em caso de falecimento de sócio, e tal disposição também está em consonância à Lei de Liberdade Econômica e a autonomia dos sócios em pactuar seus negócios jurídicos desde que não infrinja as normas de ordem pública (lei 13.874/19).

 Também não é o caso de falar-se em prejuízo patrimonial aos herdeiros na ordem de sucessão, pois lida-se em dois aspectos distintos: a transferência automática das quotas que decorre da livre disposição dos sócios, e a apuração de haveres e pagamento aos herdeiros.

 Assim, pelo decido pelo DREI, abre-se a possibilidade de os sócios terem mais opções de regras de sucessão empresarial, permitindo que a sociedade continue com os sócios remanescentes e, ainda, garantindo os direitos patrimoniais dos sucessores.

 Fonte: Migalhas

DJE DE 03-10-2022 – SOCIEDADE FALECIMENTO DE SÓCIO  HERDEIROS NÃO INTERESSAM INGRESSAR NA SOCIEDADE INVENTÁRIO EM ANDAMENTO PARA APURAÇÃO DOS VALORES AOS HERDEIROS, NECESSIDADE DE TERMINO DO INVENTÁRIO E ALVARÁ PARA QUE O ESPÓLIO TRANSFIRA AS QUOTAS DO FALECIDO,.

negativa de averbação de alterações em seu contrato social, as quais trataram da liquidação de quotas sociais de sócio falecido (Antonio José da Cruz), de apuração de haveres e de redução de seu capital social.

Os óbices opostos estão na necessidade de comprovação da finalização de inventário judicial ou extrajudicial que trate da partilha dos bens do de cujus ou de exibição de alvará judicial que autorize a transferência das quotas sociais e de justificação à redução do capital social (se houve perdas irreparáveis ou se há excesso em relação ao objeto social fl. 79).

Evidencia-se, assim, que o prazo para que os herdeiros manifestem seu eventual interesse em ingressar na sociedade ainda não se iniciou. Note-se que também não houve autorização de liquidação ou de transferência das quotas sociais pelo juízo do inventário.

A liquidação como feita, de forma antecipada, inviabiliza eventual manifestação de vontade dos herdeiros, o que afronta norma estatutária expressa. Esta conclusão se reforça pelo fato de não ter havido participação do inventariante ou dos herdeiros no procedimento (fls. 56/64).

Processo 1087684-68.2022.8.26.0100 1ª VRP – CAPITAL

Pedido de Providências – Estatuto Social da Empresa – Vox Line Contact Center Intermediação de Pedidos Ltda – Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para manter a exigência de comprovação da finalização de inventário judicial ou extrajudicial que trate da partilha dos bens do sócio falecido ou de exibição de alvará judicial que autorize a transferência das quotas sociais. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: MAÍRA SAMPAIO CAVALCANTI (OAB 398239/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Classe – Assunto Pedido de Providências – Estatuto Social da Empresa

Requerido: 1º Oficial de Registro de Titulos e Documentos e Civil de Pessoa Juridica da

Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por Vox Line – Contact Center Intermediação de Pedidos Ltda em face do Oficial do 1º Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Capital diante de negativa de averbação de alterações em seu contrato social, as quais trataram da liquidação de quotas sociais de sócio falecido (Antonio José da Cruz), de apuração de haveres e de redução de seu capital social.

A parte requerente informa que, diante da ausência de interesse dos sócios remanescentes no ingresso dos sucessores do sócio falecido no quadro societário, efetivou a liquidação das quotas sociais, o que foi aprovado por unanimidade (artigo 1.028, inciso I, do CC, e cláusula 16ª do estatuto social); que os herdeiros não manifestaram intenção de ingresso na sociedade; que, embora o pagamento de haveres esteja condicionado à finalização do processo de inventário, o qual ainda se encontra em andamento, a liquidação das quotas sociais não depende de seu encerramento (processo de autos n. 1021203-45.2019.8.26.0451, 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Campinas). Assim, entende que a alteração do contrato social deve ser averbada para continuidade das atividades da sociedade; que, após a apuração de haveres, a sociedade já efetivou balanço patrimonial a fim de que os respectivos quinhões sejam pagos aos herdeiros com a finalização do inventário, sendo que a redução do capital social se justifica pela liquidação das quotas sociais do sócio falecido e pela falta de integralização pelos sócios remanescentes (artigo 1.031, §1º, do CC). Documentos vieram às fls. 06/32.

Os óbices opostos estão na necessidade de comprovação da finalização de inventário judicial ou extrajudicial que trate da partilha dos bens do de cujus ou de exibição de alvará judicial que autorize a transferência das quotas sociais e de justificação à redução do capital social (se houve perdas irreparáveis ou se há excesso em relação ao objeto social fl. 79).

Constatado o decurso do prazo legal da última prenotação, determinou-se a reapresentação do requerimento à serventia extrajudicial (fl. 33).

Com o atendimento, o Oficial se manifestou às fls. 44/53, informando que a exigência de encerramento do inventário dos bens do de cujus se fundamenta em previsão estatutária que possibilita aos herdeiros manifestarem sua intenção de ingresso na sociedade no prazo de trinta dias após a homologação ou finalização da partilha (cláusula 16ª, parágrafo primeiro, do estatuto social); que não se mostra adequada a alteração do contrato social que exclua a participação dos herdeiros de sócio minoritário sem que os sucessores ou o inventariante nomeado tenham intervindo; que a redução do capital social deve ser fundamentada mesmo em caso de falecimento do sócio (artigo 1.082 do CC); que não haveria impedimento à continuidade da atividade societária, notadamente diante da participação minoritária do sócio falecido.

Documentos vieram às fls. 55/123.

O Ministério Público opinou pelo indeferimento do pedido (fls. 127/128).

A parte interessada acrescentou que não se justifica aguardar a finalização do processo de inventário para que haja liquidação das quotas sociais, já que o ingresso dos herdeiros na sociedade depende da aprovação dos sócios remanescentes, os quais já manifestaram desinteresse; que a participação dos sucessores ou do inventariante somente é pertinente quando da apuração de haveres, sendo prescindível no processo de liquidação das quotas sociais; que a redução do capital social é consequência lógica da liquidação das quotas e do pagamento dos haveres aos herdeiros do sócio falecido (fls. 129/133).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, o pedido deve ser acolhido em parte. Vejamos os motivos.

De início, vale destacar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica que rege sua atividade (art. 28, Lei n. 8.935/94), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no Direito Registrário, vigem princípios e regras próprios, os quais orientam a prática dos atos registrais.

Dentre eles está o princípio da legalidade estrita: o Registrador, quando da qualificação, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (item 117, Cap. XX, NSCGJ):

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No caso das pessoas jurídicas, o estatuto social também deve ser observado, na medida em que instrumento regulador de seu funcionamento interno e de suas atividades.

No caso concreto, o objetivo da parte requerente é a averbação da 18ª alteração do contrato social de Vox Line Contact Center Intermediação de Pedidos Ltda, a qual tratou da liquidação das quotas sociais do sócio falecido Antonio José da Cruz, da apuração de haveres e da redução do capital societário (fls. 56/64).

O Código Civil, ao possibilitar a liquidação das quotas sociais de sócio falecido, ressalva o disposto no contrato societário, determinando a sua prevalência (artigo 1.028, inciso I):

“No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I – se o contrato dispuser diferentemente“.

O estatuto social da sociedade em questão, ao prever a hipótese de falecimento de sócio, previu que a liquidação de suas quotas sociais deve ocorrer após prévia manifestação dos sucessores acerca de eventual interesse em ingressar na sociedade, o que pode se dar em até trinta dias a contar da homologação ou finalização da partilha (cláusula 16ª, §§1º e 2º, do estatuto social, fls. 90/91):

“No caso de falecimento de qualquer sócio, fica facultado aos herdeiros do sócio falecido o direito de ingressarem na sociedade, desde que haja aprovação dos sócios remanescentes.

Parágrafo primeiro: Caso os herdeiros pretendam ingressar na sociedade, deverão manifestar sua intenção, na proporção do quinhão de cada um, por escrito, à sociedade e aos demais sócios, nos 30 (trinta) dias seguintes à homologação ou finalização da partilha/adjudicação dos bens. Findo esse prazo, os sócios remanescentes deverão proceder à alteração do contrato social, a fim de incluir os herdeiros como novos sócios.

Parágrafo segundo: Em não havendo interesse dos herdeiros em participar da sociedade, seus haveres, após a homologação ou finalização da partilha/adjudicação dos bens, deverão ser apurados em balancete de verificação especialmente levantado no mês anteriores ao da comunicação dos herdeiros à sociedade, e serão pagos em até 60 (sessenta) parcelas iguais, mensais e consecutivas, com juros e correção monetárias, vencendo-se a primeira em 60 (sessenta) dias da data da comunicação pelo herdeiro à sociedade”.

Entretanto, conforme noticiado pela parte requerente, a ação de arrolamento dos bens do sócio falecido, Antonio José da Cruz, ainda não foi finalizada (processo de autos n. 1021203-45.2019.8.26.0451, fls. 23/29).

Evidencia-se, assim, que o prazo para que os herdeiros manifestem seu eventual interesse em ingressar na sociedade ainda não se iniciou. Note-se que também não houve autorização de liquidação ou de transferência das quotas sociais pelo juízo do inventário.

Não se discute aqui a intenção dos sócios remanescentes de não aceitarem a participação dos sucessores na sociedade, mas tão somente a forma como a liquidação das quotas sociais se efetivou.

A liquidação como feita, de forma antecipada, inviabiliza eventual manifestação de vontade dos herdeiros, o que afronta norma estatutária expressa. Esta conclusão se reforça pelo fato de não ter havido participação do inventariante ou dos herdeiros no procedimento (fls. 56/64).

Vale observar, ainda, que as atividades da sociedade não dependem da liquidação das quotas sociais: o de cujus era sócio minoritário, possuindo apenas 0,58% de participação, sendo a sociedade guiada por administrador não sócio, a quem foram transferidos os poderes de gerência, administração e representação (cláusulas 4ª e 5ª do estatuo social – fls. 58/59).

Assim, a exigência de comprovação de finalização da partilha ou de exibição de alvará judicial que autorize a transferência das quotas sociais deve ser mantida.

Neste sentido, decidiu a E. Corregedoria Geral da Justiça ao tratar de caso análogo (processo CG n. 13.018/07, Des. Gilberto Passos de Freitas), de cujo julgado se extraem os seguintes excertos:

“Não se discute aqui os dispositivos legais invocados pelo recorrente, nem a questão de o sócio remanescente não desejar ter os sucessores do sócio falecido na sociedade, mas a forma como se pretende transferir as quotas do capital social.

Com efeito, a despeito de o recorrente afirmar que observou o disposto nos artigos 1.028 e 1.031 do Código Civil, e que procedeu de acordo com a décima cláusula do contrato social da sociedade, que mencionam sobre a liquidação da quota e apuração de haveres no caso de morte de um sócio, é preciso observar também as regras do Código Civil a respeito de sucessão hereditária.

De acordo com o disposto no artigo 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros.

(…)

Assim, verifica-se que as quotas sociais que pertenciam ao sócio falecido agora integram a herança e foram transmitidas aos herdeiros, e, havendo inventário em andamento, a transferência destas quotas deve ser feita pelo espólio, representado por seu inventariante e mediante exibição de alvará judicial, desde que apurados e pagos os haveres. Na hipótese de partilhados os bens, a transferência se dará pelos herdeiros.

O procedimento pretendido pelo recorrente, de simplesmente apresentar alteração de contrato social que exclui o sócio falecido e inclui nova sócia, sem a participação do espólio devidamente representado ou dos herdeiros que receberam seus quinhões, por ser contrário às normas legais vigentes, ofende o princípio da legalidade e justifica a recusa em proceder a averbação pleiteada”.

No tocante ao segundo óbice, não se mostra adequado exigir que a redução do capital se apoie em alguma das hipóteses previstas no artigo 1.082 do Código Civil: perdas irreparáveis ou excesso do capital social em relação ao objeto societário

De fato, a redução do capital social em análise decorre de situação diversa: liquidação das quotas sociais do sócio falecido, justificando-se pela ausência de suprimento de seus respetivos valores pelos sócios remanescentes (artigo 1.031, §1º, do Código Civil):

“Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota”

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para manter a exigência de comprovação da finalização de inventário judicial ou extrajudicial que trate da partilha dos bens do sócio falecido ou de exibição de alvará judicial que autorize a transferência das quotas sociais.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 30 de setembro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito (Acervo INR – DJe de 03.10.2022 – SP)

Artigo: Cláusulas sucessórias nos contratos de sociedade – Por Ivanildo de Figueiredo Andrade de Oliveira Filho (Colégio Notarial do Brasil)

FALECIMENTO DE SÓCIO

O problema

 O art. 1.028 do Código Civil prescreve que, nas sociedades contratuais, ocorrendo o falecimento de sócio, as suas quotas de participação no capital serão liquidadas, para pagamento aos herdeiros, salvo: (i) se o contrato dispuser diferentemente; (ii) se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; ou (iii) se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.1 A primeira ressalva à regra geral, que prevê a liquidação e pagamento da quota do sócio falecido, confere ao contrato social a prerrogativa de regular o modo pelo qual deverá ser promovida a sucessão do sócio falecido, em especial as condições para o ingresso dos herdeiros na sociedade.

 O problema ora trazido à discussão decorre da ausência, verificada na imensa maioria dos instrumentos de constituição de sociedades limitadas, de natureza contratual, de cláusula específica regulando a sucessão do sócio falecido, seja este simples quotista, controlador ou administrador. O modelo básico de contrato de sociedade limitada elaborado pelo órgão central do registro de empresas,2 sequer trata dessa hipótese, mesmo porque a sucessão do sócio falecido não está no rol das cláusulas obrigatórias do art. 997 do Código Civil. Também é do conhecimento comum, na prática empresarial, que os contratos sociais são elaborados por escritórios de contabilidade, cuja preocupação principal reside mais nos aspectos formais do instrumento, para assim assegurar sua registrabilidade na Junta Comercial, não obstante a exigência legal de que os contratos de constituição de pessoas jurídicas devem ser “visados” por advogado, sob pena de nulidade. Portanto, em grande parte dos casos, a cláusula sucessória vem sendo esquecida ou negligenciada.

 A partir da análise, por amostragem, de diversos casos e julgados envolvendo conflitos entre sócios remanescentes e herdeiros do sócio falecido, em especial originários do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estados de São Paulo, localizamos a origem desse problema, exatamente, na ausência de previsão expressa, nos contratos sociais, da cláusula sucessória. Em especial no caso de falecimento do sócio majoritário ou administrador, tal situação geralmente ocasiona um vácuo de representação na empresa, e a regra geral do caput do art. 1.028 do Código Civil não é capaz de solucionar ou encaminhar a questão sucessória.

 Conteúdo da cláusula sucessória nos contratos de sociedade

 A cláusula sucessória tem por objeto a regulação do modo como se procederá, no âmbito da sociedade, a destinação das quotas pertencentes ao sócio falecido. Como todos os sócios são, naturalmente, mortais, essa cláusula deveria ser de previsão obrigatória nas disposições contratuais societárias, principalmente nas sociedades constituídas para duração por tempo indeterminado. O falecimento do sócio, sem embargo, não ocasiona, apenas, um problema de ordem patrimonial, relacionado ao direito dos herdeiros à percepção dos lucros distribuídos após a abertura da sucessão,4 e à apuração dos haveres pertencentes ao espólio. Os direitos derivados das quotas da sociedade são mais amplos, porque compreendem direitos políticos e pessoais, em especial quando interferem nas relações de controle e administração.

 A disposição da cláusula sucessória, destinada a manter o controle da sociedade no âmbito do tronco familiar do sócio falecido, pode prever que seus herdeiros e sucessores devem ser admitidos na sociedade, independentemente do consentimento dos sócios remanescentes ou da oposição destes.6 É admissível, inclusive, estipular no contrato social a indicação de determinado filho como único sucessor do sócio falecido, adotando o seguinte enunciado: “No caso de falecimento do sócio Carlos, o seu filho Luiz ingressará na sociedade recebendo na partilha a totalidade das suas quotas”. Essa designação nominativa não viola, assim entendemos, o preceito contido no art. 426 do Código Civil, o conhecido “pacto corvina”, já que a cláusula sucessória, referida no inciso I do art. 1.208 do Código Civil, admite a transmissão de quotas a herdeiro, para ingresso na sociedade, no caso de falecimento de sócio. Com efeito, a norma específica que regula o contrato de sociedade afasta a norma geral aplicável aos contratos em geral.

 Vamos considerar, em outro exemplo, o caso seguinte: Paulo é casado com Daniela, pelo regime da comunhão parcial de bens, sendo ele quotista, que tem, além dele, como sócios minoritários, Aldo e Vera. Paulo é sócio majoritário e também administrador da empresa, exercendo os poderes de administração em conjunto com Aldo. O desejo principal de Paulo é que, com seu falecimento, sua esposa, Daniela, receba a totalidade das suas quotas e passe a exercer e usufruir a condição de controladora da empresa. Todavia, a vontade consecutiva manifestada e formalizada por Paulo, no contrato social, é a de que o sócio minoritário Aldo, que sempre foi o maior parceiro e braço direito na condução da empresa, dotado de grande expertise e capacidade gerencial, fique como único administrador e representante da sociedade. Essa disposição de vontade, com tal conteúdo e designação nominativa de beneficiários pode, sim, constar de cláusula sucessória no contrato social, do modo seguinte: Quando do falecimento do sócio Paulo, este determina que suas quotas sejam transferidas para sua esposa Daniela, que passará a deter o controle da empresa, como quotista, a qual deverá exercer seu poder de controle, para votar e garantir que o sócio Aldo seja o único titular da administração da sociedade”. Segundo a doutrina do saudoso Zeno Veloso, nada impede e nada proíbe que cônjuges celebrem quaisquer contratos entre si, inclusive de sociedade, desde que não tenham como objetivo fraudar a lei.

 Outra questão controversa, não suficientemente pacificada pela jurisprudência, diz respeito à individualização e separação das quotas, quando marido e mulher, casados pelo regime da comunhão de bens ou da comunhão parcial, sejam sócios, cada qual sendo titular de determinada quantidade de quotas. No caso de falecimento do marido, por exemplo, em princípio, todas as quotas pertencentes ao casal passariam a integrar o monte-mor do espólio. Neste caso, as quotas da viúva seriam também partilhadas com os filhos, diluindo a sua participação na sociedade. A cláusula sucessória, definida no contrato social, poderia resolver a questão, ao assim dispor: “Sendo os sócios Vitor e Clarissa casados entre si pelo regime da comunhão parcial de bens, e titulares de quotas individuais, no caso de falecimento de qualquer um deles, as quotas pertencentes ao cônjuge sobrevivente não deverão ser incluídas no monte partilhável, no qual somente serão apuradas as quotas individuais do sócio falecido”. Apesar de ser questão passível de dúvida, ela pode ser objetivamente solucionada por cláusula sucessória, existindo precedente nesse sentido.

A cláusula sucessória também pode ser utilizada no sentido de maximizar o valor das quotas, mediante a oferta para venda pelo maior valor oferecido, acima, inclusive, do valor patrimonial real, gerando um ágio em benefício dos herdeiros. Essa cláusula poderia adotar a seguinte redação: “No caso de falecimento do sócio Fernando, os sócios remanescentes Cláudio e Alice terão a preferência para a aquisição das suas quotas, pelo maior lance, desde que ofereçam valor acima da avaliação patrimonial real calculada, nos termos do art. 1.031 do Código Civil, com base em balanço especial, para crédito do seu espólio e pagamento aos herdeiros”.

 Poderá também ser estipulada cláusula sucessória que admita o ingresso do espólio do sócio falecido na sociedade, antes de ultimada a partilha. Durante o período em que não seja concluído o inventário do sócio falecido, o que pode demandar anos se não houver acordo entre os herdeiros, entre si e diante dos demais sócios, pode o contrato social prever a participação do espólio como sócio, como assim autoriza a jurisprudência do STJ.

 Cláusula sucessória nos acordos entre sócios

 Segundo a opinião de Fábio Ulhoa Coelho, nas sociedades por quotas que adotem a regência supletiva pela lei das sociedades anônimas, as quais ele denomina sociedades de vínculo estável, o falecimento do sócio não produz o efeito imediato da regra geral do art. 1.028 do Código Civil, norma essa de regulação das sociedades simples. Desse modo, por força da aplicação supletiva da Lei das S.A., “os sucessores passam a titularizar a quota social e ingressam na sociedade”.11 Como consequência lógica dessa situação jurídica, demonstra-se cabível que, na sociedade limitada, seus sócios possam também estabelecer cláusulas sucessórias através de acordo de acionistas,12 isto é, entre sócios quotistas.

 No acordo de sócios, estes podem estabelecer cláusulas sucessórias tendo por objetivo regular critérios de substituição do sócio falecido e a transferência dos poderes de controle. O acordo de sócios, enquanto vigente, produzirá todos os efeitos para tornar efetiva a vontade do sócio quanto ao modo e critérios para a sua sucessão, em especial para a designação dos sócios que devem assumir o controle da sociedade. O Código de Processo Civil de 2015, confirmando a tendência de jurisprudência em reconhecer a identidade de interesses e de vínculo pessoal entre os sócios de sociedade limitada e os acionistas de sociedade anônima fechada, passou a considerar a possibilidade de tratamento igualitário desses dois tipos societários em processos de dissolução parcial de sociedade.13 Com efeito, no caso das sociedades por ações, não existe e não se aplica a hipótese de dissolução parcial.14 Falecendo o acionista, seus herdeiros passam a ser os titulares das ações, sem qualquer reserva ou condição. Aplica-se, nesse caso, a mesma lógica dos direitos de crédito relativos a depósitos e investimentos em contas bancárias declarados no processo de inventário.

 Desse modo, as cláusulas sucessórias tanto poderão constar do contrato social da sociedade, como também de acordo de sócios ou acionistas, regulando as hipóteses em que deverá se proceder à dissolução parcial da sociedade, com a apuração dos haveres do sócio falecido, ou a sua substituição pelos herdeiros ou pelos sócios remanescentes. A deliberação dos sócios quanto ao modo de transmissão dos direitos sucessórios não implica em disposição sobre a herança de pessoa viva, submetida à restrição do art. 426 do Código Civil, que somente se verifica nos casos de sucessão civil, situação distinta das circunstâncias especiais determinantes das relações societárias no campo do direito empresarial ou mercantil.

 Conclusões

 Não existe, na legislação civilista ou societária, nenhuma norma ou disposição limitativa do conteúdo da cláusula sucessória. Mesmo o testamento, como instrumento de disposição de vontade com eficácia diferida, apto para produzir efeitos a partir da abertura da sucessão, inclusive podendo conter disposições não patrimoniais,15 não representa ele, o testamento, o único instrumento possível para a transmissão de direitos societários. O exercício e a transmissão de direitos, em particular dos direitos políticos, derivados do vínculo societário, como a definição do poder de controle, não devem ser restringidas em razão de conceitos e institutos de direito civil.

 Por outro lado, o testamento, como instrumento de planejamento sucessório, é unilateral e revogável a qualquer tempo. Já as cláusulas sucessórias constantes do contrato social ou de acordo de sócios, uma vez firmadas e celebradas, representam uma vontade plúrima, somente modificável pelo consenso das partes.

 Na ausência da cláusula sucessória, a regra geral aplicável nas sociedades contratuais consiste na apuração dos haveres do sócio falecido e no pagamento do valor das quotas do capital aos herdeiros. O procedimento de apuração de haveres nas sociedades contratuais e companhias fechadas dependerá, pois, do modo como assim estabelecer o contrato ou estatuto, como ensina Hernani Estrela.16

 Deve o contrato, em nome da própria preservação da empresa e da harmonia nas relações entre os sócios, definir o modelo de avaliação do patrimônio da empresa, a possibilidade de ingresso dos herdeiros como sócios, o prazo e condições de pagamento dos haveres, questões mais relevantes no âmbito desse processo sucessório. Cabe ressaltar que a norma geral do art. 1.028 do Código Civil é regra aplicável à sociedade simples, não existindo norma específica regulando a hipótese de falecimento do sócio na sociedade limitada. Caso o contrato social da sociedade limitada adote a regulação supletiva pela lei das sociedades anônimas (CC/2002, art. 1.053, parágrafo único), o art. 1.028 deixa de ser aplicável, competindo, portanto, apenas ao contrato social, regular a matéria de sucessão do sócio.

 Fonte: Migalhas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *