Cláusula de Incomunicabilidade em Carta de Sentença sem Menção à Doação ou Testamento – Impossibilidade
CONSTOU DA CARTA DE SENTENÇA, EXPEDIDA VIA TABELIONATO, DEVIDAMENTE HOMOLOGADA PELO JUIZ, ONDE NO “ITEM 12.1”, O ADVOGADO INCLUI “CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE” AOS HERDEIROS FILHOS, OU SEJA, SOBRE 1/2 DO IMÓVEL.
OCORRE QUE, NÃO FORA JUNTADO, OU NÃO EXISTE, TESTAMENTO DO “DE CUJUS”.
NESTE CASO, COMO DEVEMOS PROCEDER?
AVERBO A CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE APÓS O REGISTRO, OU, O TÍTULO NÃO ESTÁ APTO PARA REGISTRO NESTA FORMA?
Resposta:
- As clausulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, são sempre estabelecidas em relação a terceiros, pois a ninguém é lícito ou dado vincular os bens próprios (RT – 169/127), e, ainda a ninguém é dado, ainda que com homologação judicial, vincular os próprios bens, salvo, em certos termos, na instituição do bem de família (RT – 97/139);
- A imposição de clausulas, pelo próprio titular de domínio também não pode ser aceita. Embora inexista dispositivo expresso, proibindo tal imposição, a vedação está ínsita nos princípio que regem o direito de propriedade. Essa orientação vem prevalecendo em nossa jurisprudência. Em recente acórdão prolatado na apelação cível 3.294-0 – Itatiba – SP. (DJ de São Paulo de 18-06-84), deixou-se patente ser o instituto do bem de família o único em nosso sistema jurídico, colocado à disposição do proprietário, para possibilitar que o bem imóvel venha a ficar isento de execuções por dívidas. A imposição da clausula restritiva deve ocorrer no próprio ato da liberalidade (doação ou testamento) e nunca posteriormente. (RDI 19/20 Jan/Dez 87 – Das Clausulas de Inalienabilidade – Impenhorabilidade – Incomunicabilidade – Sub-rogação . Aspectos Práticos – Doutrina – Jurisprudência – Ademar Fioranelli – Sub itens 4.1 e 4.4);
- Ora, tais condições são juridicamente impossíveis, porque a condição de inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade só podem serem impostas em beneficio de terceiro, somente por efeito de ato de doação, ou por clausula testamentária (artigo n. 1.911 do CC) acompanhada da justa causa declarada em testamento ou doação (artigo n. 1.848 do CC) ;
- Não acompanha a carta de sentença o testamento do falecido (a) (autor da herança), de forma que cria-se a presunção de tal clausula foi adicionada no plano de partilha (Processo n. 1079288-49.2015.26.0100 – da 1ª VRP da Capital do Estado – DJE de 10-09-2.015)
- Como no caso concreto não há doação nem menção a existência de testamento impondo tal restrição o título deve ser qualificado negativamente.
É o que entendemos passível de censura.
São Paulo, 24 de Agosto de 2.016.
Segue decisão.
Adjudicação – inventário – partilha – cláusula de inalienabilidade – justa causa – ausência. Requisitos legais – descumprimento – autorização expressa. Título judicial – qualificação registral.
Dúvida – cláusula de inalienabilidade advinda do plano de partilha – inexistência de justa causa – descumprimento dos requisitos legais – necessidade de permissão judicial expressa – procedência.
1VRPSP > PROCESSO: 1079288-49.2015.8.26.0100 PROCESSOLOCALIDADE: São Paulo CIRC.: 17
DATA JULGAMENTO:04/09/2015 DATA DJ:10/09/2015
Relator:Tânia Mara Ahualli
Legislação:
- CC2002 – Código Civil de 2002 | 10.406/2002, ART: 1848
íntegra:
SENTENÇA
Processo Digital nº: 1079288-49.2015.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
Suscitado: Dárcio Cândido Barbosa
CONCLUSÃO
Em 24 de agosto de 2015, faço estes autos conclusos a MMª Juíza de Direito Drª Tania Mara Ahualli, da 1ª Vara de Registros Públicos. Eu _______, escrevente, digitei.
Dúvida – cláusula de inalienabilidade advinda do plano de partilha – inexistência de justa causa – descumprimento dos requisitos legais – necessidade de permissão judicial expressa – procedência.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Darcio Candido Barbos, após negativa de ingresso da Carta de Adjudicação extraída dos autos de inventário – Processo nº 045.989-46.2011.
O óbice se deu pois há, no plano homologado pelo juiz no processo, cláusula estabelecendo inalienabilidade dos bens até que a menor favorecida complete 25 anos. O Registrador alega que tal cláusula deve constar no testamento ou termo de doação, acompanhada de justa causa, segundo o art. 1.848 do Código Civil. Porém, não foi apresentado título algum além da Carta de Adjudicação, que não contém menção expressa sobre a inalienabilidade. Juntou documentos às fls. 05/82.
O suscitado apresentou impugnação às fls. 83/86, alegando que a sentença deve ser cumprida em sua totalidade, pois não cabe ao Oficial analisar seu conteúdo, e que o Juiz expressamente homologou o plano de partilha, que inclui a cláusula de inalienabilidade.
O Ministério Público manifestou-se pela procedência da dúvida às fls. 90/93.
É o relatório. Decido.
Com razão o D. Promotor e o Oficial. Em primeiro lugar, ressalto que a origem judicial do título não torna prescindível a qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do Colendo Conselho Superior da Magistratura:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental ” (Ap. Cível nº31881-0/1)
Assim, não há que se dizer que o Registrador é obrigado a realizar o registro sem fazer a análise do título judicial.
No que diz respeito à possibilidade da instituição da cláusula de inalienabilidade, correto o Oficial ao afirmar que a carta de adjudicação apresentada não é suficiente para o registro.
Isto porque tal cláusula só pode constar na matrícula do imóvel quando advinda de termo de doação ou testamento, além de demandar a exposição da justa causa, uma vez que o direito de propriedade é, a priori, pleno. Outra possibilidade seria a expressa decisão judicial afastando os requisitos legais.
No caso em análise, nenhuma destas exigências está cumprida. Primeiramente, não acompanha a Carta de Adjudicação o testamento da falecida, de forma que cria-se a presunção de que tal cláusula foi adicionada ao plano de partilha pelo inventariante. E como bem exposto pelo Douto Promotor, este não tem legitimidade para gravar o bem:
“Conforme dita o Capítulo I, do Título I, do Livro III, do Código Civil, a validade do negócio jurídico depende do respeito à forma prescrita em lei. A forma especial para imposição de cláusulas restritivas é o testamento ou o termo de doação, ainda que esta possa ser formalizada nos autos de inventário, entre herdeiros. Na hipótese versada, a imposição da restrição deu-se pelo inventariante (pontue-se: não herdeiro), na apresentação do plano de partilha (fls. 63). O inventariante não possui, no caso em tela, nem a qualidade de doador, nem de testador, portanto, não possui legitimidade para impor as cláusulas restritivas, como pretendeu.“
Ao contrário do que aduz o suscitado, a sentença homologatória não é suficiente para o entendimento de que o juiz afastou a necessidade de justa causa para a cláusula de inalienabilidade. Isto porque, como já exposto, esta cláusula limita o exercício do direito de propriedade, o que só pode ser afastado expressamente e de forma fundamentada.
Assim, mostram-se pertinentes os óbices apresentados pelo Oficial.
Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Darcio Candido Barbos, mantendo os óbices registrários.
Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 04 de setembro de 2015.
Tania Mara Ahualli
Juíza de Direito