Escritura de Cessão de Direitos Hereditários – Registro de Partilha já Efetuado na Matrícula

Por gentileza, analise a escritura pública de cessão de direitos Hereditários lavrada em 25 de julho de 2012, pelo Tabelião de Notas desta comarca e verifique a possibilidade de seu registro tendo em vista que a partilha dos bens deixados por Fulana já se encontra registrada (R.3-da matrícula).

Resposta:

Sem adentramos muito na questão da cessão dos direitos hereditários, entendo ser possível o registro da escritura de cessão de destes como venda e compra, uma vez que o formal de partilha já se encontra registrado em nome dos cedentes e se trata do mesmo imóvel objeto da cessão, desde que requerido pelas partes (cedentes e cessionários).

Assim, não se pode descartar a possibilidade do registro da escritura de cessão de direitos hereditários como venda e compra, quando no momento de sua apresentação a registro, já tiver sido registrado o formal de partilha e seja o mesmo imóvel objeto do título.

A simples denominação dada ao negócio jurídico não altera a sua essência (artigo 112 CC). (Ver 297-6/6 – 5º RI Capital – 479-6/7 – Jundiaí Sp., da 1ª VRP da Capital de nº 1127390-05.2015.8.26.0100 e Compra e Venda no Registro Imobiliário, in Direito Registral Imobiliário, Ed. Sergio Fabris, 2001. p. 517 – Ademar Fioranelli). E acordão no mesmo sentido de nº 0025959-80.2012.8.26.0477.

Com relação a cessão dos direitos hereditários e de meação, ao ser registrada como compra e venda em face das decisões mencionadas, deve também ser apresentada a guia de recolhimento do ITBI.

No entanto, se a serventia quiser se sentir mais segura poderá solicitar que as partes comparecendo no mesmo ou em outro notário retifiquem a escritura, uma vez que possível a retificação de título ainda não registrado (a escritura de cessão de direitos, no caso).

É o parecer sub censura.

São Paulo, 03 de Dezembro de 2.020.

Seguem decisões:

CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – MEAÇÃO. COMPRA E VENDA. QUALIFICAÇÃO REGISTRAL.

1VRPSP – PROCESSO: 1127390-05.2015.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 27/01/2016 DATA DJ: 01/02/2016
UNIDADE: 14
RELATOR: Tânia Mara Ahualli

Dúvida – Cessão de mais direitos de que é proprietário – comprovação de que a cessão corresponde ao patrimônio dos outorgantes – escritura de cessão de direitos de meação e hereditários – possibilidade de considerar o título como escritura de compra e venda, conforme precedente – dúvida improcedente.

Íntegra

Processo Digital nº: 1127390-05.2015.8.26.0100


Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: 14º Oficial de Registro de Imoveis da Capital
Requerido: Flávio Massayuki Hebaru

Dúvida – Cessão de mais direitos de que é proprietário – comprovação de que a cessão corresponde ao patrimônio dos outorgantes – escritura de cessão de direitos de meação e hereditários – possibilidade de considerar o título como escritura de compra e venda, conforme precedente – dúvida improcedente

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Flávio Massayuki Hebaru, após negativa de registro de escritura de cessão de direitos de meação e hereditários.

Tal título tem como outorgantes Solindo Dutra, Maria Lucia Martinez Dutra Alvarenga e seu marido, e como outorgado Ricardo Martinez Dutra, e como objeto 1/3 do imóvel de matrícula nº 17.413 da citada serventia, pertencentes à falecida Irene Martines Dutra.

O ingresso foi obstado porque, segundo o Oficial, a escritura transfere 1/3 do imóvel a Ricardo Dutra, mas na matrícula do imóvel consta que a partilha de Irene já foi realizada e que os outorgantes da escritura são proprietários de 2/9 do bem. Assim, estariam cedendo mais direitos que possuem. Além disso, o Registrador aduz que o instrumento utilizado não é título hábil para registro, devendo ser lavrada escritura de compra e venda. Juntou documentos às fls. 04/46.

Houve impugnação às fls. 47/56, com documentos às fls. 57/77. Argumenta o suscitado que o título na verdade cede apenas 2/9 do imóvel, e não 1/3. Também aduz que a escritura de cessão de direitos de meação e hereditários deve ser considerada como escritura de compra e venda devido a seu conteúdo, sendo possível seu registro.

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida às fls. 81/82.

É o relatório. Decido.

Primeiramente, cumpre discutir qual o objeto da escritura de cessão de direitos de meação e hereditários (fls. 04/07). A análise do documento leva a clara constatação de que Solindo Dutra e Maria Lucia Martinez Dutra Alvarenga estão cedendo a Ricardo Martinez Dutra os direitos sobre o imóvel que serão a eles partilhados com o falecimento de Irene Martinez Dutra, em especial quando diz que “os cedentes cedem e transferem, como de fato cedido e transferido têm ao cessionário ditos direitos de meação e hereditários”.

Alega o Oficial que o título cede 1/3 do imóvel. Contudo, a fração de 1/3 só é mencionada uma vez no título, quando se esclarece qual a fração do imóvel pertencente a Irene Martines Dutra. Isto, porém, não significa que está sendo transferido o direito de 1/3 do bem, mas apenas que quando da partilha de 1/3 do bem aos outorgantes, a parte que lhes fizer jus será destinada a Ricardo Dutra.

Assim, conforme o R. 12 da matrícula do imóvel, Solindo Dutra recebeu 1/6 do imóvel e a herdeira Maria Lucia Martinez recebeu 1/18 avos do bem, totalizando a parte ideal de 2/9. E são estes os direitos transferidos pela escritura. Este entendimento é corroborado pela guia de recolhimento de ITBI (fl. 8), onde se lê que o imposto foi recolhido sobre a fração alienada, correspondente a 4/6 de 1/3 do imóvel, ou seja, os mesmos 2/9.

Fica, assim, superado o primeiro óbice. Quanto a possibilidade do registro do título como se escritura de compra e venda fosse, cito o seguinte precedente desta vara:

“Dúvida – pretensão de se registrar escritura pública de cessão de direitos de meação e hereditários referentes a um imóvel – partilha do imóvel já homologada e registrada – não há mais que se falar em direitos hereditários, mas sim de direitos reais – escritura de cessão pode ser recepcionada como compra e venda – precedentes desta Vara – muito embora o título possa ser registrado como venda e compra, ainda há exigências a serem cumpridas (recolhimento do ITBI e apresentação da DOI), razão pela qual o título não pode, da forma como apresentado, ingressar em fólio real – dúvida procedente.

Neste cenário, a Corregedoria Geral de Justiça tem decidido no sentido de recepcionar a escritura de cessão de direitos de meação e hereditários como verdadeira escritura de venda e compra. No presente caso, fica evidente, pelo texto do título (v. fls.07) que houve o pagamento e a devida quitação de valores, mostrando-se clara a intenção de os cedentes transferirem todos e quaisquer direitos reais sobre o imóvel para as cessionárias:

‘O autor deste trabalho não descarta a possibilidade do registro de escritura de cessão de direitos hereditários quando, no momento de sua apresentação a registro, já tiver sido registrado o formal de partilha do falecido, no qual tenha sido tocado ao herdeiro cedente o mesmo imóvel objeto do título. Este, então, será recepcionado como compra e venda, já que a simples denominação dada ao negócio jurídico não altera a sua essência, como, aliás, dispõe o art. 85 do CC’ (Ademar Fioranelli apud Apel. Cív. 297-6/6 – CSMSP – j.25.05.2005 – Rel. José Mario Antonio Cardinale).” (Processo 0068806-30.2013.8.26.0100 1ª VRP/SP)

O precedente se assemelha à hipótese dos autos, pois no título levado a registro estão presentes todos os requisitos do contrato de compra e venda, em especial o preço e objeto.

Além disso, trata-se de escritura pública lavrada por tabelião.

Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Flávio Massayuki Hebaru, ficando afastados os entraves apresentados pelo Oficial.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 27 de janeiro de 2016

Tania Mara Ahualli

Juíza de Direito

CONTRATO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. TÍTULO ORIGINAL. FORMAL DE PARTILHA – PRÉVIO REGISTRO – AUSÊNCIA. CONTINUIDADE.

CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 479-6/7
LOCALIDADE: Jundiaí DATA DE JULGAMENTO: 16/02/2006
RELATOR: GILBERTO PASSOS DE FREITAS
LEGISLAÇÃO: Art. 198 da Lei nº 6.015/73 e art. 134, caput e II, do Código Civil de 1916.

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida procedente – Certidão de contrato particular de cessão de direitos hereditários – Ausência do título original – Título não registrável – Recepção como compra e venda inadmissível por inadequação de instrumento e por falta de prévio registro de formal de partilha – Princípio de continuidade – Recurso não provido.

Íntegra

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 479-6/7, da Comarca de JUNDIAÍ, em que é apelante ANIVALDO MONTEIRO DA SILVA e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2006.

(a)GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida procedente – Certidão de contrato particular de cessão de direitos hereditários – Ausência do título original – Título não registrável – Recepção como compra e venda inadmissível por inadequação de instrumento e por falta de prévio registro de formal de partilha – Princípio de continuidade – Recurso não provido.

1. Trata-se de apelação interposta por Anivaldo Monteiro da Silva, tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada e manteve a recusa do Oficial do 2º Registro de Imóveis de Jundiaí oposta ao registro de certidão de contrato particular de cessão de direitos hereditários e de meação quitado, por não apresentação do título original, por se cuidar de título não registrável e por respeito ao princípio da continuidade.

Sustenta o apelante, em suma, que a cessão de direitos hereditários deve ser qualificada como compra e venda e, assim, pede a reforma da r. sentença para o registro predial pretendido.

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 122/123).

É o relatório.

2. Pretende-se o registro, como compra e venda, de certidão do Registro de Títulos e Documentos referente ao contrato particular de cessão de direitos hereditários e de meação quitado, firmado em 15 de maio de 1985, figurando como outorgantes cedentes Yolanda Venturi Soliani, Glauco Soliani e Maria Luiza Soliani, e, como outorgado cessionário, o apelante, cessão essa relativa a uma parte ideal de 91,89 alqueires paulistas, equivalente a 2.224,0 hectares ou 2.224.000,00 m2, em imóvel rural cuja origem remota repousa nas transcrições 10.624 e 11.000, ambas do 1º Registro de Imóveis de Jundiaí, área maior designada como quinhão de terras, em comum, no sítio Cristais, no bairro do mesmo nome.

Correta a recusa, não se acolhe a irresignação recursal.

De plano, consigne-se que o Conselho Superior da Magistratura, em caso do mesmo apelante e quase idêntico ao presente, decidiu que a falta do título original indica a carência de requisito essencial e indispensável ao conhecimento do pedido, pois da análise direta do próprio título, inclusive no tocante a sua autenticidade, regularidade formal e conteúdo, análise essa logicamente precedente ao próprio exame das questões de direito debatidas, depende a aferição de sua admissibilidade, ou não, no âmbito do fólio real (Apelação Cível nº 348-6/0, Jundiaí, j. 18.08.2005, rel. Des. José Mario Antonio Cardinale, com apoio no artigo 198 da Lei nº 6.015/73 e menção ao precedente CSM, Ap. Cível nº 43.728-0/7, Batatais, rel. Des. Nigro Conceição, para ressaltar que a orientação jurisprudencial é pacífica).

Todavia, ainda que se abstraia o óbice formal, a desqualificação do título é inevitável.

De fato, cessão de direitos hereditários, propriamente dita, é título insuscetível de registro, pois referente a quinhão, não a transferência de bem concreto, individuado e, como se sabe, perdura a indivisibilidade da herança até a partilha. Sólida doutrina (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Ed. Forense, 4ª ed., p. 29 e 242; Arnaldo Rizzardo, Direito das Sucessões, vol. I, Ed. AIDE, p. 89) e consolidada jurisprudência (CSM: Ap.Cível. 251.461, Ourinhos, j. 28.05.1976, rel. Des. Acácio Rebouças; Ap.Cível 4.258-0, Jacupiranga, j. 15.07.1985, rel. Des. Nelson Pinheiro Franco; Ap. Cível 6.861-0, São Caetano do Sul, rel. Des. Sylvio do Amaral, j. 13.04.1987; Ap.Cível 82.060-0/3, Eldorado Paulista, j. 27.09.2001, rel. Des. Luís de Macedo), aliás, afirmam a sua irregistrabilidade.

É verdade, como aponta Orlando Gomes, na trilha francesa (Planiol et Ripert) e nacional (Itabaiana de Oliveira), que não se deve confundir cessão de direitos hereditários com venda de bens hereditários, pois nesta hipótese o contrato tem por objeto bem individualmente determinado e, assim, válida a operação que só se torna eficaz se o bem vendido é imputado no quinhão do vendedor (Sucessões, Ed. Forense, 8ª ed., p.250). O novo Código Civil, aliás, disciplinando a matéria antes não regrada, enquadra a cessão de bem da herança considerado singularmente também no plano da eficácia, não no da validade (artigo 1.793, § 2º: É ineficaz a cessão…).

Assim, em sede de cessão de direitos hereditários de bem singular da herança, realmente se pode cogitar, em tese, na hipótese de afastar o nomem iuris e colher a inteligência do negócio por sua substância obrigacional, recepcionando-o como compra e venda, tal como sustenta Ademar Fioranelli (Compra e Venda no Registro Imobiliário, in Direito Registral Imobiliário, Ed. Sergio Fabris, 2001, p. 517), anotando-se que este Conselho Superior da Magistratura, recentemente, seguiu caminho equivalente ao recepcionar cessão de direito hereditário como cessão de promessa de cessão de compromisso de venda e compra, viabilizando o registro do título (Ap. Cível 297-6/6, Capital, j. 14.04.2005, rel. Des. José Mario Antonio Cardinale).

No entanto, no caso, isso somente seria possível se o título em requalificação, daquele modo recepcionado, como compra e venda, estivesse, em si e em confronto com os registros existentes, apto à inscrição predial, o que não se verifica: a) primeiro, pela inadequação de instrumento, uma vez que se cuida de instrumento particular (fls. 08/11), não de escritura pública, que é indispensável à compra e venda de imóvel (artigo 134, caput e II, do Código Civil de 1916: tempus regit actum); b) segundo, porque não registrado o formal de partilha do falecido Guido Soliani, falta registro em nome dos herdeiros cedentes referente ao bem em transmissão, necessário ao encadeamento de titularidades e de registros, em respeito ao princípio de continuidade (CSM, Apelação Cível nº 348-6/0, Jundiaí, j.18.08.2005, rel. Des. José Mario Antonio Cardinale).

Por conseqüência, inapto o título ao registro imobiliário.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

(a) GILBERTO PASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator

(D.O.E. de 05.05.2006)

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