Escritura de Declaração – Retratação de Depoimento em Processo Criminal – Impossibilidade

Compareceu nestas notas um advogado, solicitando uma Escritura de Declaração. Entretanto seria uma escritura de declaração onde a declarante, a sra. Fulana declara o seguinte;

a) que foi vítima de estupro há dez anos;

b) que na época que aconteceu o crime, declarou que quem havia cometido o crime seria o seu próprio pai, o senhor Beltrano;

c) que seu pai, respondeu pelo crime de estupro;

d) que hoje, após dez anos de ter feita a denúncia do crime, depois de conversar muito com seu marido e familiares, resolveu falar a verdade;

e) e agora informa, sem qualquer constrangimento, que em depoimento prestado ao MM. Juiz afirmou que quem havia cometido o crime teria sido seu próprio pai, pois o mesmo, não a deixava namorar;

f) hoje, entretanto resolveu afirmar, através de escritura pública, que na realidade seu pai, o senhor Francisco, não cometeu crime algum.

Estou achando tudo meio estranho, principalmente em razão da declarante haver me dito que já tentou fazer essa escritura de declaração, em outra cidade e lá os cartórios não fizeram alegando que havia um Provimento do Juiz Corregedor proibindo escrituras desse jaez

Resposta:

  1. De fato, muito estranha a intenção de querer fazer essa declaração, após dez anos, sendo que seu pai já respondeu pelo crime. A única possibilidade seria a de uma revisão criminal (Quando após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstâncias que determine ou autorize diminuição da pena – artigo 621, III do Código de Processo Penal). E uma escritura declaratória apresentada pela suposta vítima não teria força suficiente para desconstituir ou revisar uma condenação, e isso porque a escritura declaratória seria produzida unilateralmente e sem observância do contraditório. Seria ineficaz, sem validade para tal, porque apenas a escritura pública, esta não teria êxito.
  2. Enfim a escritura contraditória contendo retratação da suposta vítima, não traria contexto probatório, pois unilateral e não tem força constitutiva, podendo a declarante estar sendo coagida para tal. Inclusive podendo ser penalizada, por crime de denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal)
  3. A via adequada para nova tomada de declarações da suposta vítima com vista à possiblidade de retratação é o pedido de justificação (artigo 38l, º 5º do CPC/2.015) e em assim sendo a lavratura da escritura declaratória deve ser recusada (subitens 1.3  e 1.4 do Capítulo XVI das NSCGJSP) e pelos demais motivos acima relatados. Ver também subitens 1.1, 1.2, 2.2 e itens 2 e 7 das NSCGJSP (Capitulo XVI).

Sub censura.

São Paulo,09 de Abril de 2.025

NSCGJSP CAPITULO XVI

DO TABELIONATO DE NOTAS

DO TABELIÃO DE NOTAS

1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.

1.1 Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento.

1.2. O Tabelião de Notas, cuja atuação pressupõe provocação da parte interessada, não poderá negar-se a realizar atos próprios da função pública notarial, salvo impedimento legal ou qualificação notarial negativa.

1.3. É seu dever recusar, motivadamente, por escrito, a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico e sempre que presentes fundados indícios de fraude à lei, de prejuízos às partes ou dúvidas sobre as manifestações de vontade.

1.4. Sempre que a prática de determinado negócio jurídico dispensar a forma pública, é dever do Tabelião de Notas informar acerca dessa dispensabilidade às partes interessadas.

2. A função pública notarial, atividade própria e privativa do tabelião de notas, que contempla a audiência das partes, o aconselhamento jurídico, a qualificação das manifestações de vontade, a documentação dos fatos, atos e negócios jurídicos e os atos de autenticação, deve ser exervida com independência e imparcialidade jurídicas.

2.2. A consultoria e o assessoramento jurídicos devem ser prestados por meio de informações e de esclarecimentos objetivos, particularmente sobre o melhor meio jurídico de alcançar os fins desejados pelas partes, os efeitos e consequências dos fatos, atos e negócios jurídicos a serem documentados, e visar à tutela da autonomia privada e ao equilíbrio substancial da relação jurídica, de modo a minimizar as desigualdades materiais e a proteger os hipossuficientes e os vulneráveis, tais como as crianças e os adolescentes, os idosos, os consumidores, as pessoas com deficiência e as futuras gerações.

7. O tabelião de notas é o responsável pelo ato notarial praticado, pela sua redação e conteúdo jurídico, mesmo quando lavrado pelos substitutos.

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