Doação C/ Reserva de Usufruto a Menor Impúbere e Cláusula de Reversão
Gostaria de contar com sua orientação quanto ao correto entendimento jurídico aplicável ao seguinte caso:
Trata-se de uma Escritura Pública de Doação com Reserva de Usufruto, na qual a doadora é a genitora e a donatária é sua filha menor impúbere, com oito anos de idade. Embora a genitora declare ser solteira e não convivente em união estável, consta, na qualificação da menor donatária, o nome do seu pai, o que caracteriza reconhecimento legal da paternidade e, por conseguinte, presume o exercício compartilhado do poder familiar, nos termos do art. 1.690 do Código Civil.
Além da reserva de usufruto, constam ainda cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e, especialmente, uma cláusula de reversão, prevista no art. 547 do Código Civil.
Diante disso, surgiram duas dúvidas principais, que passo a expor:
1º – A cláusula de reversão retira o caráter de doação pura?
Compreendo que, não fosse a cláusula de reversão, a doação seria classificada como pura e simples, visto que a reserva de usufruto e as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade não configuram, em si, condição nem encargo imposto à donatária.
No entanto, com a presença da cláusula de reversão, surgem dúvidas quanto à sua natureza. Considero que a doação permanece sendo gratuita e sem encargos para a menor, mesmo com a possibilidade de reversão do bem ao patrimônio da doadora, caso a donatária venha a falecer antes dela.
Nesse sentido, a cláusula de reversão não traria ônus à donatária, e, portanto, não alteraria a natureza de doação pura, apesar de configurar uma condição resolutiva legal. Contudo, gostaria muito de contar com sua valiosa opinião sobre o ponto.
2º – Exigência de alvará judicial nos termos do art. 266, I do Código de Normas/PE
A segunda dúvida refere-se à interpretação do art. 266, I, do novo Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Pernambuco, que assim dispõe:
“Art. 266. O tabelião também exigirá alvará judicial para a lavratura, especialmente, nos seguintes atos:
I – escrituras de compra e venda, permuta, doação e cessão de direitos, ou de outros atos de disposição ou constituição, modificação ou transferência de direitos reais relativos a imóvel, nos casos de espólio, massa falida, empresa em recuperação judicial, herança jacente ou vacante, sub-rogação de gravames, e incapacidade, absoluta ou relativa, em atos de interesse de menores.” (grifos nossos)
Minha dúvida reside na interpretação do trecho: “doação […] nos casos de […] incapacidade, absoluta ou relativa, em atos de interesse de menores”.
Nesse caso específico, em que o imóvel está sendo doado à menor, e não por ela, questiono se o dispositivo exige alvará judicial mesmo na hipótese de ingresso patrimonial, ou se a exigência se aplicaria somente em situações de disposição patrimonial ativa por parte do incapaz (por exemplo, quando o menor estiver doando ou alienando imóvel de seu patrimônio).
Agradeço, desde já, pela atenção e orientação.
Complemento:
Quanto às dúvidas anteriormente apresentadas, achei por bem acrescentar algumas informações relevantes para a análise.
Na escritura de Doação com Reserva de Usufruto em questão, o pai da menor donatária não compareceu como seu representante legal juntamente com a genitora.
Considerando que, se a doação for caracterizada como pura, não se exige prova de aceitação por parte do absolutamente incapaz, nos termos do art. 1349 do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Pernambuco, transcrito a seguir:
“Art. 1349. Nos atos de doação a título gratuito, o registro poderá ser promovido pelo doador, pelo donatário ou por qualquer terceiro interessado, bastando para tanto a apresentação do título.
§1º É dispensada a prova de aceitação na doação pura feita em benefício de absolutamente incapaz.”
Dessa forma, caso a doação em análise fosse considerada “pura”, não haveria necessidade de exigir a anuência ou representação expressa do pai da menor para fins de aceitação do ato. No entanto, como a escritura contém cláusula de reversão, permanece a dúvida quanto à manutenção ou não da natureza de doação pura, o que impacta diretamente na exigibilidade da anuência.
Agradeço mais uma vez pela atenção e pela valiosa orientação.
Resposta:
- Um menor ou um incapaz pode receber uma doação com cláusula de reversão, pois o Código Civil permite que essa cláusula seja estipulada em favor do doador, o que não interfere na capacidade do menor ou incapaz de receber o bem. A doação, neste caso, será válida e o bem retornará ao doador caso o donatário (o menor ou incapaz) faleça antes dele.
- A doação com cláusula de reversão (artigo 547 do CC), como a que estipula o retorno do bem ao doador se o donatário falecer antes dele, não é um encargo, mas sim uma condição resolutiva ou um negócio jurídico com um mecanismo de retorno. A principal diferença é que um encargo é um dever imposto ao donatário que, se não for cumprido, pode levar à revogação da doação, enquanto a cláusula de reversão é uma condição específica para a devolução do bem que opera de forma automática com o falecimento do donatário antes do doador.
- A clausula de reversão não é um encargo, mas sim uma condição resolutiva.
- Encargo:
É um ônus ou dever que o doador impõe ao donatário no contrato de doação. O não cumprimento do encargo pode levar à revogação da doação por inexecução.
- Cláusula de reversão:
É uma condição para a devolução do bem que independe do cumprimento de uma obrigação, mas sim da ocorrência de um evento futuro e incerto (a morte do donatário antes do doador).
- No entanto, doação com cláusula de reversão não é uma doação pura, mas sim uma doação com condição resolutiva. Uma doação pura é um ato unilateral e irrevogável. Já a doação com cláusula de reversão é uma modalidade mais específica, onde o bem retorna ao patrimônio do doador se o donatário falecer antes dele, sendo uma condição estipulada no contrato.
- Doação pura:
É um ato de liberalidade sem condições ou encargos, e a transferência do bem é definitiva.
- Doação com cláusula de reversão:
É uma doação sujeita a uma condição suspensiva. O donatário adquire a propriedade resolutiva, ou seja, a propriedade que pode ser desfeita. O bem volta ao doador se ele sobreviver ao donatário.
- Caso a doação fosse pura (artigo 543 do CC) Em sendo os donatários “absolutamente” incapazes a aceitação é presumida pela lei civil (nesse sentido ver APC 608-0, 243.938, 5452-0/86, 6829-0 e Processo CGJSP 3773/71) (Ver também RDI n. 19/20 Efeitos da Doação do Registro de Imóveis – Doação de pais a filhos menores – Dr. Elvino Silva Filho (fls. 14/17 (por e-mail) e Artigo – O Novo Código Civil e a doação pura a incapazes – Assessoria de Imprensa – Colégio Notarial do Brasil – Seção de São Paulo – publicado em 25/06/2.009.
A dispensa de manifestação de vontade de aceitar não é apenas do incapaz, mas, sobretudo do representante legal.
Considerando que o ato praticado pelo donatário, seja ele quem for, significa para a lei a aceitação, entende-se que a hipótese se enquadraria como ato-fato-jurídico, máxime quando se tratar de incapaz. Sendo assim, a doação a incapaz com a dispensa da aceitação dele ou de representante legal seria ato-fato-jurídico, pois a atribuição patrimonial se operaria com a simples tradição.
A doação pura de bem imóvel ao absolutamente incapaz se perfaz quando houver a escritura pública seguida de registro.
Na escritura deverá o Tabelião consignar o fato sem exigir que o representante legal a outorgue.
Portanto, apesar de polêmica a questão, entendo, s.m.j., que será possível o registro da escritura de doação pura feita a menores absolutamente incapazes, sem a aceitação destes ou de seus representantes legais, bem como desnecessária a representação dos menores absolutamente incapazes.
Lembramos de que tal doação também poderá se for o caso, ser objeto de renúncia pelos donatários, e das doações feitas em juízo por ocasião das separações ou divórcio, onde não há a aceitação.
No negócio jurídico não poderá haver prazo estipulado para a aceitação, um vez que esta é dispensada.
- Entretanto no caso em mesa não se trata de doação pura, pois há além da reserva do usufruto e as cláusulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, há uma condição resolutiva que é a clausula de reversão imposta, apesar de o usufruto e as cláusulas restritivas não desnaturarem a doação pura.
- E em não sendo doação pura entendo, s.m.j., que deva haver a aceitação pela menor devendo esta ser representada pelos pais (artigos 1.630, 1.631,1.634, VII, 1.689, II e 1.690, especialmente os artigos 1.634, VII e o 1,690), todos do Código Civil. Entretanto como a mãe é a doadora a filha donatária deve ser representada somente pelo pai. (Ver também artigos 166, I,168, 169, 171, I também do CC) e autorização (alvará judicial) para o registro da doação. Ver também decisão de nº 1055983-36.2015.8.26.0100 da 1ª VRP – da Capital de São Paulo.
- Também deverá haver autorização judicial (alvará) por não tratar-se de doação pura e em conformidade com o Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Pernambuco artigo 266, I.
- Esta são as considerações, que sub censura fazemos.
São Paulo, 03 de Setembro de 2.025.
LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I – por incapacidade relativa do agente;
Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura.
Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.
Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.
Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.
Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:
II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.
Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.
Parágrafo único. Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária.
Processo 1055983-36.2015.8.26.0100. Dúvida. 5º Oficial de Registro de Imóveis x Luís Médici. Sentença: Dúvida – doação a menores absolutamente incapazes necessidade de autorização judicial – procedência. Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Luís Médici. O suscitado apresentou para registro escritura de doação referente ao imóvel de transcrição nº. 73.355, com reserva de usufruto e cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. O título teve o ingresso recusado, pois dois dos donatários são menores impúberes e foram representados no ato pela mãe, sem a presença do pai. Alegou o Registrador que, conforme o art. 1.691 do Código Civil, atos de transmissão de propriedade devem ter prévia autorização judicial quando for parte menor de idade absolutamente incapaz, além de citar decisão do Conselho Superior da Magistratura nesse sentido. Juntou documentos às fls. 04/36. Não houve impugnação pela suscitada (fl.37). O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 41/42). É o relatório. Decido. Com razão o D. Promotor e o ilustre Oficial. Conforme preceitua o artigo 1.691 do Código Civil: “Art. 1.691 – Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz”. A lei faz regra, e não exceção, da necessidade de autorização prévia do juiz. Desta forma, a única hipótese em que esta pode ser afastada refere-se à simples administração do bem do menor pelos genitores. Ora, receber um bem imóvel, mesmo que por doação, acarreta obrigações ao titular de domínio, que não podem ser aceitas só pela vontade dos pais, que poderiam eventualmente agir em interesse próprio. Assim, cabe ao juiz decidir se a transferência do bem virá em benefício do donatário. Contribui, por fim, para a necessidade desta análise jurisdicional, a total omissão quanto à presença do pai dos menores, trazendo incertezas quanto ao interesse da mãe (representante), sobretudo porque o doador não tem relação de parentesco algum com as crianças. Concluo que o óbice apresentado é válido e cabível, diante dos fatos e documentos apresentados. Ressalto que este juízo administrativo não pode emitir a declaração substitutiva da vontade do genitor, devendo a suscitada buscá-la em ação adequada. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Luís Médici, mantendo o óbice registrário. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C.
2 “Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:
I – os filhos;
II – os herdeiros;
III – o representante legal”.